O Globo - 22/02/2011
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) aprovou em novembro de 2010 uma nova estratégia de defesa focalizada, sobretudo, no relacionamento com a Rússia e com o Afeganistão. Um dos aspectos discutidos e que foi registrado de forma genérica no documento final diz respeito à presença da organização no Oceano Atlântico.
Desde 1999, na crise dos Bálcãs, a Otan ampliou sua atuação fora dos limites originalmente traçados do teatro europeu. Em 2004, o novo conceito estratégico refletiu essa realidade, justificada também pelas novas ameaças do terrorismo internacional e pelo risco de transporte ilegal de armas atômicas.
Mais recentemente, durante a discussão da nova visão estratégica, foi examinada proposta formulada por Daniel Hamilton, do Centro de Relações Transatlânticas da John Hopkins University dos EUA, no sentido de incluir também a Bacia Atlântica e, via de consequência, o Atlântico Sul como área de atuação da organização.
Não constitui surpresa verificar que a expansão da área de atuação da Otan coincidiu com a agenda internacional dos EUA, tendo em vista a dependência europeia da capacidade militar norte-americana no seio da organização.
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, em intervenção na Conferência Internacional sobre o Futuro da Comunidade Transatlântica, realizada em novembro no Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa, chamou a atenção para a possibilidade da utilização da Otan a fim de legitimar ações militares que Washington não queira executar de maneira unilateral ou que seriam de difícil aprovação pelo Conselho de Segurança da ONU, única instância internacional com poderes de aprovar o uso da força.
Nesse sentido, Jobim manifestou claramente as reservas do governo brasileiro às iniciativas que procurem de alguma forma associar o norte do Atlântico ao sul do Atlântico - área geoestratégica de interesse vital para o Brasil. As questões de segurança relacionadas às duas metades desse oceano são distintas e devem merecer respostas diferenciadas - tão mais eficientes e legítimas quanto menos envolverem organizações ou Estados estranhos à região, sinalizou acertadamente o ministro da Defesa.
A questão de segurança e defesa ainda não entrou no discurso diplomático brasileiro. Os enormes desafios representados pelos crimes transnacionais (contrabando, tráfico de armas e de drogas) e pelo crescente armamentismo na região deveriam propiciar um maior envolvimento do Itamaraty não só nas discussões, como também no discurso oficial.
A grande extensão de fronteiras com quase todos os nossos vizinhos aproxima nossos países, mas também coloca cotidianamente problemas que exigem de nossas autoridades uma atenção redobrada para a defesa de nossos interesses. O Ministério da Defesa ocupou de forma competente esse vazio na política externa brasileira nos últimos anos.
As reservas petrolíferas descobertas em águas profundas, no nosso mar territorial e fora dele, e outros recursos existentes no fundo do oceano estão sendo identificadas pelo Programa de Recursos Minerais da Plataforma Continental e estão exigindo medidas acautelatórias que terão implicações sobre a política externa.
O governo Lula decidiu expandir os limites da nossa soberania sobre os recursos do fundo do mar ao incorporar à plataforma continental brasileira uma área de 238 mil km2, além das 12 milhas do mar territorial e da Zona Econômica Exclusiva. A decisão foi unilateral e deverá ser ratificada pela Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU.
O Ministério da Defesa chamou a atenção para o fato de que não cabe ao Brasil examinar com os EUA a questão da expansão da área de atuação da Otan, porque Washington não ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar de 1982.
Na prática, isso significa que o governo norte-americano não é obrigado a respeitar a plataforma continental de 350 milhas e os 4 mil km2 de fundos marinhos do Brasil, onde estão localizadas as reservas de petróleo do pré-sal e onde outras potências poderiam intervir para também explorá-las.
A China está dando passos importantes para se equiparar tecnologicamente às potências marítimas (EUA, Franca, Reino Unido e Rússia) para a busca e o domínio dos recursos minerais do fundo do mar que, nas próximas décadas, poderão substituir as reservas terrestres. Desenvolvido secretamente desde 2003, a China testou com êxito um submersível habitável com capacidade de operar até 7 mil metros de profundidade. O governo chinês deverá iniciar pesquisas no Mar do Sul da China e se apresentou como candidato a receber uma zona contratual em águas internacionais para explorar depósitos sulfurosos.
O interesse do Brasil de assegurar sua plena soberania para a exploração das riquezas do fundo do mar e criar condições para a defesa tanto de potências tecnologicamente equipadas para explorá-las como de ataques terroristas no tocante às plataformas de exploração e às comunicações marítimas com o continente é uma preocupação conjunta do Ministério da Defesa e do Itamaraty.
Nenhum país que pretende ocupar hoje um espaço importante no concerto das nações se pode dar ao luxo de ignorar em seu discurso diplomático as preocupações com sua segurança e com formas de ampliar seus mecanismos de defesa.
Na campanha eleitoral, no programa de política externa da candidata Dilma Rousseff, foi feita referência expressa à consolidação e à execução da nova política de defesa, nos termos da Estratégia Nacional, aprovada em 2009. Trata-se de uma importante inovação, ao incluir o Itamaraty nos objetivos da defesa nacional.
Vamos aguardar os desdobramentos dessa promessa na ação concreta do novo governo.