O ESTADO DE S. PAULO
Terão as forças políticas que se opõem a Dilma Rousseff condições de assegurar que a eleição exija segundo turno? A folgada liderança da ex-ministra-chefe da Casa Civil nas pesquisas de intenção de voto não caiu do céu. Foi fruto de gigantesca mobilização de recursos a que recorreu o governo, ao longo de pelo menos dois anos, para transformar uma candidata sem qualquer experiência eleitoral prévia em concorrente viável à Presidência da República. É o momento de olhar para trás e perceber as reais proporções da mobilização fiscal levada à frente pelo governo para montar e nutrir a ampla coalizão política que hoje sustenta o bom desempenho eleitoral da candidata.
A parte menos dispendiosa dessa operação envolveu o Bolsa Família, que adveio da consolidação e da ampliação de programas de apoio à população de baixa renda criados no governo FHC. Bem mais custosa tem sido a política de reajuste sistemático do salário mínimo a taxas substancialmente mais altas que a inflação, que tem onerado em muito as contas da Previdência e de governos subnacionais. Tampouco tem sido fácil acomodar a conta da generosidade dos reajustes salariais com que foi agraciada parte substancial dos servidores públicos federais.
Incomparavelmente mais dispendiosa, contudo, tem sido a mobilização fiscal que permitiu a cooptação da outra extremidade do extenso arco de forças políticas que hoje apoia a candidatura governista. O que se revelou realmente caro não foi angariar o apoio dos mais pobres, mas, sim, dos mais ricos. Nessa linha, merece destaque o colossal programa montado no BNDES para concessão de crédito de longo prazo, a taxas de juros pesadamente subsidiadas, bancado com recursos do Tesouro provenientes da emissão de dívida pública. Desde meados de 2008, foram emprestados pelo Tesouro ao BNDES nada menos que R$208 bilhões. Cifra equivalente a mais de 16 vezes o dispêndio anual do governo com o programa Bolsa Família. Embora tais empréstimos venham sendo contabilizados de forma artificial, para que não apareçam nas cifras de dívida líquida do governo central, o Tesouro não teve como evitar que, em decorrência dessas operações, o estoque de dívida bruta federal mostrasse forte elevação no período.
Muito eficazes, também, para cooptar o empresariado, têm sido as expectativas de favores governamentais que deverão advir do avanço da exploração do pré-sal. Especialmente importantes vêm sendo os lucros esperados com a produção de bens de capital para a indústria petrolífera, sob o guarda-chuva protecionista da exigência de que os equipamentos supridos à Petrobras e outras empresas tenham pelo menos 65% de conteúdo nacional. É claro que a prodigalidade com que tais favores vêm sendo concedidos se faz às custas de brutal encarecimento dos investimentos no pré-sal, com consequente redução do excedente da exploração que poderá vir a ser apropriado pelo governo. O que significa dilapidação de recursos públicos que deveriam ter destinação muito mais nobre, em benefício da grande maioria da população.
É essa frente ampla que vem dando sustentação à candidatura de Dilma Rousseff. Vai dos beneficiários do Bolsa Família ao grande empresariado refestelado no Bolsa BNDES e no Bolsa Conteúdo Nacional. Sua manutenção vem exigindo doses maciças e crescentes de dinheiro público. Basta ter em mente as transferências adicionais de dezenas de bilhões de reais do Tesouro ao BNDES, agora anunciadas, que bem ilustram a desfaçatez com que as contas públicas passaram a ser tratadas no país.
O governo comporta-se como se acreditasse que, com a nova alquimia contábil que desenvolveu, já não tem restrição fiscal a respeitar. Alega ter descoberto a pedra filosofal das finanças públicas: uma fórmula mágica de gestão fiscal que permite transformar emissão de dívida bruta em melhora do superávit primário.
Não há como alimentar ilusões. Esse vale-tudo fiscal é só o prenúncio do que se verá no próximo mandato. A menos, claro, que o eleitorado decida dar um basta. A partir de domingo.
Rogério L. Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.