O GLOBO
Se fizermos a conta de quantos brasileiros serão governados juntando os estados em que venceram PSDB e DEM e os que os tucanos disputam com boa chance de vencer, poderemos ter a oposição governando metade do país, o mesmo em relação às receitas tributárias. O DEM venceu no primeiro turno em Santa Catarina e Rio Grande do Norte, justamente dois dos estados em que Lula se dedicou a tentar exterminar seus adversários
O PSDB é o partido que elegeu mais governos no primeiro turno: Paraná, São Paulo, Minas e Tocantins. E disputa o segundo turno em cinco outros estados, com chances de vencer: Alagoas, Goiás, Pará, Roraima e Piauí. Mais uma vez o país está dividido, sem que a popularidade do presidente Lula se expresse em dominação política sobre o território.
Dilma Rousseff só venceu a soma dos votos oposicionistas de Marina e Serra em dez estados, e é enganoso acreditar que a vitória em 18 estados representa a hegemonia governista.
Na verdade, a oposição foi majoritária na maior parte do país. O estado de Minas Gerais, por exemplo, que aparece em vermelho no mapa da eleição, dificilmente pode ser considerado um território petista, ainda mais que Marina teve uma votação expressiva por lá, e a soma dos votos oposicionistas supera os da candidata oficial, ao contrário do que acontecia nas últimas eleições, onde Lula prevalecia claramente. A ida para o segundo turno significa que a vitória avassaladora do governo, a chamada onda vermelha, não se concretizou.
A candidata Dilma Rousseff teve mais ou menos o mesmo tamanho de votação que Lula vem tendo desde 2002, o que significa que o PSDB, se quiser vencer a eleição, terá que ampliar suas alianças eleitorais, o que o PT de Lula vem fazendo com êxito.
O PSDB tem tido regularmente cerca de 40% dos votos no segundo turno, enquanto o PT de Lula vai a 60%. Lula incorporou no segundo turno a maioria dos votos de Ciro Gomes e Garotinho em 2002, e os de Heloisa Helena e Cristovam Buarque em 2006.
Dilma entra no segundo turno como a grande favorita, precisando de pouco mais de quatro pontos percentuais para vencer. O objetivo de Serra será, por outro lado, tirar votos de Dilma, além de receber a maioria da votação de Marina.
Mesmo que receba cerca de 80% dos votos que foram para a candidata verde, Serra não ganha se não conseguir roubar eleitores de Dilma.
É mais fácil para o PSDB fazer um acordo com o PV para governar do que esse acordo sair com o governo. Afinal de contas, Marina saiu do governo porque não conseguiu convencer Lula de que a questão do meio ambiente é essencial para um crescimento sustentável rumo ao futuro, e um dos principais obstáculos que encontrou pela frente sempre foi a visão desenvolvimentista de Dilma Rousseff.
Não há nenhum razão para que acredite que num futuro governo Dilma a coisa seja diferente.
Por isso a tentativa do PT é para que ela fique neutra na disputa do segundo turno.
Serra pode tirar votos de Dilma especialmente nos estados de São Paulo e Minas Gerais.
No seu estado, embora tenha vencido a eleição que parecia perdida apenas poucos dias atrás, Serra venceu Dilma por cerca de 700 mil votos, o que é pouco para a tradição tucana, que governa o estado há 16 anos e tem pelo menos quatro anos mais pela frente.
Desde 1994 que o PSDB vence a eleição presidencial em São Paulo por uma diferença mínima de 3,5 milhões de votos, e que pode chegar até a 5 milhões de votos. Isso quer dizer que Serra tem entre 3 e 4 milhões de votos para ganhar em São Paulo.
Em Minas, Lula sempre venceu as eleições presidenciais por uma diferença semelhante à que Dilma teve este ano, cerca de 2 milhões de votos.
O ex-governador Aécio Neves, tendo saído da eleição como o grande líder político do estado e do PSDB no país, tem condições para tentar reverter esse quadro, pois tanto em São Paulo quanto em Minas o Partido Verde faz parte da coligação do PSDB local.
Era razoável que no primeiro turno o grupo do governador Aécio Neves não pudesse se empenhar tanto na campanha presidencial, pois a prioridade era mesmo reeleger Antonio Anastasia, e as implicações políticas regionais dificultavam esse trabalho.
A coligação regional abrigava diversos partidos que apoiam o governo Lula e estavam comprometidos com a candidatura de Dilma, e por isso o voto Dilmasia teve grande aceitação entre os mineiros.
Mas agora, vencida com êxito esta etapa já no primeiro turno, Aécio está liberado para tentar reverter essa situação.
É claro que o favoritismo de Dilma neste segundo turno está mantido, e, sobretudo, a presença do presidente Lula na campanha fará com que a manutenção da votação que Dilma teve no primeiro turno seja possível, e até mesmo provável.
Mas este será um segundo turno muito diferente de quantos já aconteceram, todos com Lula liderando a disputa.
Inclusive porque Dilma é uma candidata frágil politicamente e despreparada para uma maratona eleitoral como a que terá que continuar enfrentando.
Sobretudo se levarmos em conta que o capa preta do petismo José Dirceu revelou em sua já famosa palestra a sindicalistas baianos que Dilma ainda se ressente do tratamento do câncer linfático e está debilitada fisicamente.
Disse Dirceu a respeito do cancelamento de vários compromissos de campanha nesse primeiro turno: (...) nossa candidata estava num momento muito difícil, muito cansada, tendo que se dedicar aos programas de televisão. (...) Ela praticamente não foi ao Norte do país, vocês perceberam isso? (...) Porque primeiro nós temos mais de 40 anos de idade, segundo porque ela passou por um câncer.
Ela sente muito isso ainda. O presidente Lula continuará comandando a campanha de seu laranja eleitoral, mas deve ter sentido o tranco das urnas, e a tendência é alterar o comportamento neste segundo turno. Ele claramente errou a mão no último mês de campanha, achando que estava tudo decidido, e perdeu a noção da realidade.
O recado maior das urnas é que a sociedade não aceita que, mesmo um presidente tão popular quanto Lula, se sinta dono do país, em condições de fazer o que quer e dizer o que as pessoas devem fazer, de escolher inimigos pessoais para exterminar.Lula inventou sua criatura eleitoral do nada e corre o risco de inviabilizá-la politicamente se se deixar dominar pela arrogância.