O Globo 23/09/2010
O Brasil vai bem ou mal? A pergunta parece sem sentido quando se observa o cenário atual. A economia está crescendo este ano algo em torno dos 7,5%, um dos ritmos mais fortes entre os países já em recuperação. A inflação roda na casa dos 5% ao ano, um pouco acima da meta de 4,5%, mas dentro da margem de tolerância e, aparentemente, sem ameaças de aceleração descontrolada.
No quesito contas públicas, o governo vem cumprindo parcialmente as metas de superávit primário, ou seja, faz economia, paga uma parte da conta de juros, de tal modo que a dívida pública, em proporção ao Produto Interno Bruto, está novamente em queda. Finalmente, as contas externas registram déficit crescente, mas até aqui financiado com folga pela entrada de capitais estrangeiros para investimentos diretos e no mercado financeiro.
Por outro lado, o crédito para pessoas e empresas continua em elevação forte, o que turbina o consumo. Cresce também o emprego e a massa real de salários — o total de rendimentos do trabalho, menos a inflação — cresce na faixa de 5% anuais. Ou seja, o poder aquisitivo dos trabalhadores aumenta nesse ritmo forte de 5% ao ano.
Olhando para a frente, aparecem grandes eventos, como a Copa do Mundo, Olimpíadas e a própria exploração do petróleo do pré-sal, todos fatores indutores de investimentos em infraestrutura.
O que queriam mais? Entretanto, basta rodar pelo país e ouvir pessoas nos mais diversos setores da economia, e se percebe uma nítida sensação de desconforto.
O desconforto geral é com o ambiente de negócios, frequentemente hostil. É difícil tocar um empreendimento e ganhar dinheiro dentro da lei. As broncas específicas, digamos, são de quatro tipos: 1. As empresas pagam muitos impostos, pagam antes de faturar e é difícil e caro manter em dia as relações com o Fisco; 2. Os custos em geral são muito altos, isso incluindo desde insumos como energia, comunicação e transportes, até custos trabalhistas; 3. É complicado e caro lidar com o governo, especialmente no que se refere a aprovar e licenciar projetos e colocar os empreendimentos em funcionamento; 4. A taxa de juros é muito elevada.
Em resumo, o Brasil é caro e difícil.
Como isso se combina com o ambiente de crescimento e a confiança em alta tanto entre empresários quanto entre consumidores? E mais: como isso se combina com a imagem do país tão positiva no exterior? Para adiantar o resumo da ópera: a parte boa da história vem de uma combinação de bons fundamentos macroeconômicos, conquistados ao longo dos últimos 16 anos, com uma boa ajuda de fora, especialmente da China, que puxa o crescimento dos emergentes; a parte do desconforto tem a ver com o futuro, a expectativa de que muita coisa precisa mudar para que o país faça melhor do que fez até aqui.
Mais ou menos assim: do jeito que está, o Brasil consegue crescer 4,5% ao ano, um pouco mais, um pouco menos conforme o ambiente externo; para fazer mais que isso, é preciso reduzir o custo Brasil, abrir a economia, arejar o ambiente de negócios.
Esta é, claramente, uma agenda liberal, pró-economia de mercado. Ela está na cabeça não apenas de empresários — de uma incrível e ampla variedade de empreendedores que se encontram pelo país — mas também no sentimento das pessoas, das novas classes médias.
Outro dia, a propaganda de Dilma Rousseff no rádio trouxe o depoimento de um eleitor de Brasília, que dizia estar muito feliz por ter conseguido montar sua empresa (era, antes, motoboy) e que agora podia “pagar um plano de saúde para a filha”.
Repararam? O rapaz estava feliz por ter escapado do serviço público. Isso revela uma disposição que se encontra por toda a sociedade, pessoas querendo tomar conta de suas vidas, montar seus negócios, tocar sua profissão livremente, escolher e pagar seus planos de saúde, colocar os filhos numa escola particular boa, investir em ações, comprar planos de previdência privada.
Exagero? Pois dê uma olhada no crescente número de pessoas que aplicam pequenas quantias na Bovespa.
Ocorre que não se encontra esta segunda agenda nos meios políticos.
Nos debates eleitorais, então, nem pensar. Aquele depoimento apareceu na campanha de Dilma com o óbvio objetivo de agradar essa parte do eleitorado, pela emoção.
O programa da candidata governista não traz, nem os da oposição, registrese, essa agenda de abertura que, ao final, quer dizer o seguinte: menos Estado, mais espaço para as pessoas tocarem seus negócios e suas vidas.
Pode ver. Todos os candidatos querem mais dinheiro de impostos para gastar na saúde, quando deveriam ao menos desconfiar: por que será que as pessoas, melhorando um pouco de vida, tratam de pagar um plano de saúde privado, como aquele eleitor de Dilma? O que nos leva a uma segunda divisão existente no país. Uma turma quer mais Estado, mais governo, mais controle público sobre tudo — incluindo aqui desde as corporações sindicais que vivem do dinheiro dos impostos, políticos que querem fazer bons negócios com o governo até empresários que querem proteção e subsídios. Essa turma anda muito satisfeita ultimamente, não quer mudar nada e conta com candidatos em todo o espectro político, do PT ao PSDB. Por isso, aliás, que não há oposição efetiva a Lula.
A outra quer menos Estado e mais espaço para as ações individuais, mais liberdade para as pessoas decidirem e construírem seu futuro. Essa turma não tem representação política.
O que faz uma falta danada.