O Estado de S.Paulo - 01/09/10
Ampla matéria do Estado (Brasil tem 34,8 milhões de pessoas que vivem sem coleta de esgoto, 21/8, A25) abordou o retrato desolador da infraestrutura sanitária no Brasil, segundo pesquisa divulgada pelo IBGE. Fica claro que a tão decantada 8.ª economia do mundo não consegue oferecer a grande parte de seus cidadãos a cobertura necessária de serviços de esgotamento sanitário, tratamento e disposição de resíduos sólidos, coleta seletiva de lixo, manejo de águas pluviais e drenagem urbana.
É inacreditável como, no atual ambiente de euforia com os rápidos sucessos econômicos, as condições sociais avancem de forma tão vergonhosamente lenta! Como é admissível que a exorbitante carga tributária cobrada do trabalhador brasileiro não reverta a seu favor na forma de abrangente infraestrutura sanitária?
As deficiências e carências do saneamento, como serviço público essencial, refletem o quadro dramático da distribuição de renda no País. Mas, ao contrário dos bens de consumo privado, não se podem estabelecer "ilhas de proteção" às classes mais privilegiadas, até porque a disponibilidade do serviço não garante necessariamente sua qualidade do ponto de vista da saúde pública. Assim, o "cordão sanitário" tem seus limites no ambiente urbano, em virtude da veiculação de doenças, da degradação ambiental e da possível contaminação e/ou exaustão dos recursos hídricos.
Após mais de duas décadas de indefinições no quadro institucional, a Lei n.º 11.445/07, que estabeleceu diretrizes para o saneamento básico, se tornou um importante instrumento para a tomada de consciência sobre a relevância da infraestrutura sanitária. Propiciou uma visão mais abrangente para efeito de políticas governamentais e possibilidades de parcerias público-privadas. Mais recentemente, a Lei n.º 12.305/10 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que permite avanços significativos para tratamento e disposição, além de prever o fim dos lixões a céu aberto, estabelecendo regras para a gestão dos resíduos. Por meio de novas exigências e incentivos, é um importante passo para a destinação das mais de 150 toneladas de lixo produzidas diariamente nas cidades brasileiras.
Mas o arcabouço legal é condição necessária, não suficiente. Após décadas de descaso, seria fundamental que as ações no saneamento se agregassem a uma estratégia de estímulo a investimentos, para gerar empregos, ampliar mercados, reduzir desequilíbrios sociais e gerar aumento de produtividade. A legislação torna clara a necessidade de uma abordagem mais integrada dos diversos componentes da questão sanitária e ambiental. A questão agora é superar as limitações crônicas da administração pública, ou seja, valorizar o planejamento de longo prazo, formular políticas integradas e promover ações coordenadas do Executivo, no que diz respeito a: 1) provisão e tratamento de água e esgoto; 2) drenagem urbana e manejo de águas pluviais; 3) coleta e tratamento dos resíduos sólidos; 4) gestão integrada dos recursos hídricos; 5) saúde pública nos seus aspectos preventivos; 6) preservação do meio ambiente; e 7) contínua educação ambiental.
O setor de saneamento passa, sem dúvida, por transformações que visam a superar o modelo anterior, mas muitos problemas ainda esperam por soluções de grande envergadura: os desequilíbrios entre os atendimentos de água e esgotos; a superação dos déficits tanto de esgotamento sanitário quanto de coleta e tratamento de lixo (mais generalizados) e de abastecimento de água (mais regionalizados); e os índices elevados de perdas e desperdícios. Os volumes de recursos para investir na universalização da infraestrutura sanitária são vultosos, e a União não tem demonstrado capacidade de planejamento, formulação de políticas e gestão de sistemas complexos que envolvem os três níveis de governo. Daí a necessidade de encontrar mecanismos mais eficientes de gestão dos recursos públicos, além da segurança jurídica e da regulação, necessárias para atrair capitais privados.