FOLHA DE S. PAULO - 22/09/10
SÃO PAULO - Se o velho Descartes ressuscitasse por esses dias no Brasil, dificilmente ousaria repetir que o "bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo". Temos visto, neste período eleitoral, uma legião crescente de insensatos.
Destoa por isso, num ambiente contaminado por desinteligências, a entrevista que Fernando Henrique Cardoso concedeu ao jornal "O Estado de S. Paulo" no domingo.
Ao falar de Lula, o ex-presidente reconhece que o colega (e adversário) "atuou bem diante da crise financeira mundial em 2008 e 2009". A seguir, não dá espaço à conversa fiada (hoje tão disseminada) de que Lula põe a democracia em risco:
"Não acho que o presidente Lula tenha uma estratégia nessa direção. (...) Não sei qual a razão, mas o Lula acertou ao não engordar o debate sobre o terceiro mandato. Não sei está ou não arrependido, mas o certo é que ele não engordou".
Esse reconhecimento vem acompanhado por críticas igualmente pertinentes: "Uma das coisas que mais me surpreendeu na trajetória política de Lula foi a absorção por ele do que há de pior na cultura do conservadorismo, do comportamento tradicional. (...) O PT quando foi criado se opunha ao corporativismo herdado do fascismo e de Getúlio Vargas. No poder, vemos que ele ampliou esse corporativismo".
Para FHC, Lula seria "capaz de deixar uma herança política democrática (...), mas está a todo instante desprezando o componente democrático para ficar na posição de caudilho". Um exemplo trivial: "Não se pode, por exemplo, ver o presidente, todos os dias, jogar o seu peso político na campanha eleitoral".
Não deixa de ser curioso que FHC faça essa análise de Lula, com elogios no atacado e críticas no varejo, num momento como esse, que pediria uma intervenção -digamos assim- talvez menos inteligente.
Mas se FHC está tão à vontade é também porque o PSDB dispensou os seus préstimos. É até irônico: o partido dos sabidos não sabe o que fazer com sua figura mais sábia.