O Estado de S. Paulo - 01/09/2010
Lei que dispõe sobre cessão onerosa para a Petrobrás está criando uma reserva
de mercado para a estatal sem que isso esteja na Constituição Federal
Se alguém ainda tem dúvidas se é melhor o regime de concorrência do mercado ou a falta dele, a capitalização da Petrobrás e os acontecimentos que vêm ocorrendo nas duas últimas semanas trazem algumas reflexões importantes.
A Lei n.º 12.276/10 que dispõe sobre a cessão onerosa para a exploração de 5 bilhões de barris de petróleo e o procedimento de capitalização da Petrobrás, prevê no seu art. 1.º que "a União fica autorizada a ceder" para a Petrobrás, "dispensada a licitação".
Duas questões jurídicas saltam aos olhos, independentemente da fixação de um preço para o barril do petróleo. A primeira observação é que "autorização", para efeitos legais, é sempre um ato administrativo de caráter precário, isto é, o governo pode a qualquer momento, independentemente de uma infração contratual, revogar a autorização ao exclusivo critério da administração e não como o caso do petróleo que é um bem público.
O segundo elemento que chama a atenção no art. 1.º é a dispensa de licitação. O procedimento licitatório é um elemento fundamental da moralidade administrativa e está constitucionalmente previsto no inciso 21 do art. 37.
Outro ponto que deve ser observado é que o §1.º do art. 177 da Constituição prevê que a "União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização" da atividade exploratória "observadas as condições estabelecidas em lei".
Por sua vez, a lei que complementa esse comando constitucional é a Lei n.º 9.478/97, qual seja, a lei que criou a Agência Nacional de Petróleo (ANP) e estabeleceu o regime de concessão.
Não podemos nos esquecer que o marco regulatório do petróleo ainda não é lei estando como Projeto de Lei n.º 5.940/09, até agora na Câmara dos Deputados.
A autorização e a dispensa de licitação não têm lastro na Constituição Federal após o fim do monopólio da atividade estatal. Essa opinião é do Supremo Tribunal Federal, quando no acórdão da ADI n.º 3.273.
As questões aqui colocadas já seriam suficientes para entendermos que a Lei n.º 12.276/10 está criando uma reserva de mercado para a Petrobrás, sem que isso esteja na Constituição Federal.
A diferença encontrada entre os preços anunciados na semana passada (US$ 5 e US$ 12) e que hoje, se chega a um preço médio de US$ 8.50, faz crer que a decisão é política e não técnica.
Pior, o impacto é de US$ 15 bilhões para mais ou para menos. Será que se fosse aplicado o regime de concorrência e leilão o número encontrado não seria maior?
Não é possível criar uma reserva de mercado por lei, sem alterar a Constituição Federal nem mesmo voltar ao monopólio por lei.
É ADVOGADO, ESPECIALISTA EM PRÉ-SAL, MESTRE EM DIREITO ECONÔMICO PELA UFMG, MEMBRO DO IAB E EX-VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE PETRÓLEO
E GÁS DA AMERICAN BAR
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