O Globo - 26/08/2010
Está-se testando a conveniência de seguir criando foros multinacionais de configurações variáveis e sem propósitos institucionais precisos na América Latina. Além do risco de incorrer na redundância, começa-se a fazer evidente a limitante óbvia que o tempo que podem dedicar-lhe os governantes a assistir às reuniões de cúpula é um recurso escasso. Com maior razão quando se reúnem em uma mesma pessoa as condições de chefe de Estado e chefe de governo, como ocorre em quase todos os países latino-americanos.
Uma organização multinacional que revela sintomas prematuros de ineficácia perde credibilidade e cria motivos para pôr em julgamento sua razão de ser. À raiz da denúncia colombiana de existência de acampamentos das Farc na Venezuela, o governo venezuelano solicitou uma reunião emergencial de chanceleres da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) em Quito. Convocada de afã, sem uma preparação diplomática cuidadosa, foi um fracasso. Os representantes dos governos em desacordo repetiram tudo que haviam feito no plenário da Organização dos Estados Americanos (OEA). A reunião não contou com a presença de Néstor Kirchner, secretário-geral da Unasul, nem de Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores do Brasil.
Néstor Kirchner tinha obrigações na Argentina que reclamavam sua atenção, como membro do Congresso e aspirante à candidatura presidencial em 2011. Celso Amorim devia atender a questões de transcendência mundial relacionadas com o conflito no Oriente Médio e o programa nuclear do Irã. As novas prioridades da diplomacia brasileira quiçá expliquem a afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que as diferenças entre Bogotá e Caracas eram consequência de desavenças pessoais entre Hugo Chávez e Álvaro Uribe. Mas tanto Lula como Kirchner ofereceram seus bons ofícios para atuar como mediadores.
Estas gestões resultaram desnecessárias com o discurso de posse do presidente Juan Manuel Santos, no qual agradeceu e declinou das ofertas de mediação internacional. Expressou sua vontade de discutir os problemas com o governo venezuelano diretamente, tal como ocorreu três dias depois em Santa Marta. Depois de uma reunião a sós entre os dois presidentes, se anunciou a retomada das relações diplomáticas e a conformação de comissões binacionais para trabalhar sobre distintos temas de interesse comum.
Houve gestões amistosas por parte do presidente Lula e de Néstor Kirchner a favor da reconciliação entre os governos de nações irmãs. Mas o fator decisivo foi a proposta do presidente Santos de normalizar as relações por meio de conversações diretas, convite que o presidente Chávez se apressou a aceitar. Ambos governantes tinham razões para manejar os desacordos em tom menor, de maneira institucional, por meio de seus serviços diplomáticos.
Santos deseja iniciar sua gestão internacional sem a anomalia de um desencontro regional. Chávez tem suficientes problemas com a inflação, o desabastecimento e a crise econômica, para insistir em um conflito externo. O governo colombiano decidiu não condicionar a relação com a Venezuela à questão das Farc. Para o governo venezuelano, perdeu urgência a pronta ativação do acordo militar entre o governo da nação vizinha e o dos Estados Unidos, acordo que segundo a Corte Constitucional da Colômbia requer a aprovação prévia pelo Congresso.
As concessões recíprocas que facilitaram o restabelecimento das relações diplomáticas só podiam ser feitas pelos dois presidentes, sem necessidade de intermediários. Para a Unasul será necessário encontrar uma missão construtiva, que evite duplicidade de funções com outras organizações hemisféricas e fortaleça os valores democráticos no continente. Para cumprir esse papel, não é necessário promover demasiadas cúpulas presidenciais, nem montar um aparato burocrático custoso.
RODRIGO BOTERO MONTOYA é economista e foi ministro da Fazenda
da Colômbia.