O Estado de S. Paulo - 20/08/2010
Se as divergências internas do governo Lula sobre o aumento de capital da Petrobrás não puderem ser dirimidas tecnicamente, as soluções preponderantemente políticas poderão comprometer irremediavelmente o processo.
A questão central é a de que a Petrobrás precisa de muito dinheiro vivo para encarar os investimentos de US$ 224 bilhões em cinco anos para o desenvolvimento do pré-sal e, no entanto, o Tesouro, que detém 32% das ações, não tem recursos para subscrever sua parte no aumento de capital.
Para contornar a falta de recursos, a decisão tomada há um ano foi a de que, em vez de recursos em dinheiro, o Tesouro passaria à Petrobrás petróleo de suas reservas ainda no fundo do mar. Como a lei não permite aumento de capital em espécie sem que os demais acionistas o aceitem, o governo recorreu a um artifício de engenharia financeira denominado cessão onerosa. A subscrição da parcela da União seria feita com títulos do Tesouro amarrados à transferência de 5 bilhões de barris à Petrobrás. À medida que o petróleo fosse produzido, a empresa devolveria ao Tesouro os títulos correspondentes aos 5 bilhões de barris.
A questão central passou, assim, a ser o critério de arbitragem do preço desses 5 bilhões de barris. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) recorreu a uma certificadora externa, a Gaffney, Cline & Associates, e a Petrobrás, à De Golyer and MacNaughton. Ontem, o Estado informou que a certificadora da ANP fixou seu preço entre US$ 10 e US$ 12 por barril de 159 litros. Enquanto isso, a da Petrobrás cravou US$ 5 a US$ 6 por barril, exatamente metade do que foi apontado pela anterior. Assim, não há convergência técnica sobre a matéria.
O interesse da União (e do Tesouro) nesse jogo é obter o preço máximo pelo patrimônio público (5 bilhões de barris) a ser repassado à Petrobrás. Do ponto de vista da estatal, pagar menos é apenas um dos objetivos. O mais importante é obter a maior quantidade de recursos em dinheiro para viabilizar os investimentos futuros.
O problema é que é limitada a capacidade de subscrição do acionista minoritário (68% do capital), o que vai aportar dinheiro vivo. A US$ 5 por barril, o Tesouro teria em espécie o cacife de US$ 25 bilhões, o que exigiria dos minoritários, se todos estivessem dispostos a acompanhar, outros US$ 50 bilhões. Mas a US$ 10 por barril, o Tesouro teria o dobro, teria US$ 50 bilhões, e exigiria outros US$ 100 bilhões dos minoritários, o que seria uma enormidade.
O Tesouro já se dispôs a subscrever as sobras, o que diminuiria a participação dos minoritários no capital. No entanto, a US$ 10 por barril é improvável que a subscrição dos minoritários seja um sucesso. Pelas estimativas do mercado, o preço do barril que levará o minoritário a subscrever em massa estaria muito mais próximo da certificadora contratada pela Petrobrás (de US$ 5 a US$ 6) do que os propostos pela certificadora da ANP (de US$ 10 a US$ 12). E, se a subscrição for rejeitada pelos minoritários, a Petrobrás correrá o risco de não ter recursos suficientes.
Ontem, a Petrobrás divulgou comunicado em que afirma que o preço da cessão onerosa ainda não foi acertado. Mas o conflito de interesses parece grande demais para ser resolvido em poucas semanas sem recurso à Justiça. A ideia de adiar a subscrição para o ano que vem pode eliminar um ruído indesejável do ponto de vista do governo nas próximas eleições, mas não resolve o problema principal. Ao contrário, aumenta as incertezas sobre os programas da Petrobrás.
Aqui e lá
Enquanto o Ministério do Trabalho do Brasil aponta aumento do emprego formal (com carteira assinada) em mais de 181 mil por mês em todos os meses deste ano (veja o gráfico), nos Estados Unidos acontece o contrário: o desemprego aumenta.
Auxílio-desemprego
Ontem o Departamento de Trabalho dos Estados Unidos informou que o número de trabalhadores que procurou pela primeira vez o auxílio-desemprego saltou para 500 mil na segunda semana de agosto. É o nível mais alto desde novembro.