26/08/10
Relatada do início até o veredicto lavrado terça-feira pelo juiz federal Antonio Claudio Macedo da Silva, a história do vazamento de dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, é perfeita para enfatizar a necessidade de antídotos contra a crescente onda de invasão de arquivos confidenciais dos cidadãos deixados à guarda do Estado, e exemplar dos riscos que qualquer um corre hoje em dia.
Informações da declaração de Imposto de Renda de Eduardo Jorge foram retiradas dos computadores da Receita Federal e, segundo a “Folha de S.Paulo”, circularam num bunker eleitoral da candidata Dilma Rousseff, onde iriam alimentar um dossiê de aloprados contra tucanos — mais um. Os desmentidos e a veemência foram os de praxe, mas, pressionada, a Receita abriu sindicância e revelou que uma funcionária de São Paulo, Aparecida Rodrigues dos Santos Silva, foi quem teve acesso não justificado às informações do tucano.
O caso continua nebuloso, pois Aparecida teria emprestado a senha a colegas de trabalho — seria uma laranja na operação de invasão do arquivo.
Porém, agora, a Justiça, em decisão louvável, determinou que a Receita passe a Eduardo Jorge todas as informações levantadas na morosa investigação.
Com precisão, o juiz comparou o aparato burocrático que não para de alimentar arquivos sobre a vida de cada brasileiro, sem proteger as informações como deveria, com o “big brother” de George Orwell, o estado onisciente e onipresente do livro “1984”, e o estado absolutista do “Leviatã”, de Thomas Hobbes.
Apontou o juiz para a “relação promíscua entre setores da administração pública e setores da imprensa”. Cabe, aqui, um reparo: o x da questão não está em possíveis relações espúrias entre servidores e a imprensa, pelo menos no caso dos grupos que praticam o jornalismo profissional e independente. Estes se pautam por códigos de ética, protegem a privacidade alheia, a não ser em casos de interesse público. O problema se encontra, sim, nas vinculações de partidos e organismos sindicais dentro da máquina burocrática.
Os tentáculos que procuraram atingir o tucano existem porque, no governo Lula, há uma tentativa grave de partidarização de áreas do Estado, com grupos de militantes políticos, alguns com ramificações sindicais, no manejo de instrumentos públicos, usando-os com fins privados. É um estágio avançado de metástase da conhecida doença brasileira do patrimonialismo, em que se “privatiza” o Estado com finalidades políticoeleitorais, pecuniárias ou ambas.
O assunto é mais amplo. Em reportagens publicadas terça-feira e ontem, O GLOBO comprovou como é possível, nas ruas do Centro velho de São Paulo, adquirir arquivos em forma digital com dados do INSS, Receita, Denatran e até de bancos privados, como o Itaú Unibanco, referentes a milhões de pessoas. Os arquivos podem ser usados tanto por call centers e em empresas de mailings, como por sequestradores, chantagistas, assaltantes.
O Estado, portanto, virou um queijo suíço dentro do qual agem quadrilhas de toda a espécie, de militantes a ladrões comuns, praticando inomináveis crimes contra o direito à privacidade. Esta decisão do juiz deveria balizar, daqui para a frente, a posição da Justiça ao lado do cidadão, para protegêlo do “big brother” e do “Leviatã”.
Existem quadrilhas assaltando arquivos confidenciais