sexta-feira, agosto 27, 2010

Augusto Nunes

Para encontrar os mandantes do crime de estupro fiscal, basta seguir o telefone

"Sigam o dinheiro", recomendou o informante Deep Throat a Bob Woodward e Carl Bernstein. A dupla do Washington Post atendeu ao conselho, descobriu os laços que atavam os invasores do Edifício Watergate ao Salão Oval da Casa Branca e localizou o caminho que levaria à  melhor reportagem investigativa da história ─ e encurtaria a vida política do presidente americano Richard Nixon.

Sigam o telefone, recomendaram nesta quinta-feira três ex-diretores da Receita Federal. Talvez sejam ouvidos pelos encarregados de investigar o estupro do sigilo fiscal de quatro aliados do ex-governador José Serra, consumado em 8 de outubro de 2009. Os informantes, familiarizados com os labirintos e catacumbas do Fisco, acreditam que a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a própria Receita sabem o suficiente para que o caso seja inteiramente esclarecido em poucas horas. Para identificarem os arquitetos da delinquência, insistem, basta percorrer o atalho sinalizado por extratos de contas telefônicas.

Sabe-se que a arma do crime foi o computador usado por Adeilda Ferreira dos Santos, funcionária da Receita Federal em Mauá. Sabe-se que a senha que permitiu o acesso ilegal pertence a Antonia Rodrigues dos Santos Neves Silva, chefe regional e ex-secretária-geral da Delegacia Sindical de Santo André/São Bernardo. Sabe-se que a primeira violação ocorreu às 12h27 de 8 de outubro, e que as três seguintes foram consumadas em 16 minutos.

"É claro que a história não para em Mauá", constata um ex-diretor familiarizado com os labirintos e catacumbas da Receita. "O sigilo foi violado a pedido ou por ordem de alguém com mais poder. E quem faz esse tipo de coisa telefona imediatamente para o mandante". Os investigadores só precisam conferir os telefonemas registrados no dia do crime. "Os responsáveis pelo processo administrativo tem de solicitar o quanto antes a quebra voluntária do sigilo telefônico de todos os nomes que apareceram nas investigações, começando por Antônia e Adeilda", sugere um segundo informante. "Quem não estiver envolvido ficará feliz com a chance de provar a inocência. Quem quiser preservar o sigilo tem culpa no cartório". Simples assim.

Pelo que fez até agora, sobretudo pelo que deixou de fazer, a direção da Receita não pretende descobrir coisa alguma antes da eleição. O comando do PT, para preservar a imagem do partido, promete processar José Serra por calúnia e difamação. O presidente Lula procura rebaixar um fato gravíssimo a "factóide". Dilma Rousseff se queixa do "baixo nível da campanha" e já desconfia de que a trama contra José Serra foi coisa do PSDB. De onde menos se espera é que não vem nada mesmo.

Cumpre à Polícia Federal e ao Ministério Público desmontarem a manobra velhaca que um estagiário do FBI talvez desvendasse em dois dias. Os suspeitos são os de sempre, e estão onde sempre estiveram. Os que mentiram desde sempre seguem mentindo. O dossiê forjado contra Serra veio da mesma fábrica que produziu o dossiê contra Fernando Henrique e Ruth Cardoso, ou o papelório dos aloprados.

Os estupradores do sigilo fiscal dos quatro aliados do candidato tucano formaram-se na mesma escola que diplomou o estuprador do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. O cortejo dos escândalos, dossiês e infâmias variadas precisa ser interrompido já. As vítimas devem exigir Justiça. A oposição deve cobrar vergonha. A Justiça precisa agir.

O Caso Watergate nasceu com a prisão em flagrante de bandidos que, a serviço do governo, instalavam aparelhos de escuta e fotografavam documentos na sede do Partido Democrata. Também começou como caso de polícia. Como fazem agora o governo e o PT, Nixon procurou reduzir uma bandidagem de alto calibre a um pecado venial praticado por figuras irrelevantes. Acabou transformado no maior escândalo protagonizado por um presidente americano.

O atrevimento dos estupradores da Receita tem de ser castigado antes que sejam suprimidas, por pais-da-pátria sem compromisso com a moralidade, as últimas fronteiras morais e legais. Um país habitado por gente que engole sem engasgos a corrupção endêmica e impune jamais existirá como nação.