O Globo - 22/07/2010
O preço do caminho escolhido por Hugo Chávez ficou claro no relatório divulgado pela Cepal. A América Latina cresce este ano mais de 5%. O Brasil mais de 7%. A Venezuela vai ter uma queda de 3%. É a segunda pior recessão depois do Haiti, que tem uma boa explicação para seu número negativo. A crise da Venezuela é resultado das escolhas de um governante equivocado.
Os erros políticos do presidente Hugo Chávez são mais falados, mas ele é também um péssimo administrador e tem criado para a economia venezuelana uma série espantosa de incertezas. Isso inibe o investimento.
A Venezuela enfrentou uma severa crise energética provocada por uma seca, mas como sabem todos os que têm hidrelétricas: secas acontecem. Por isso é preciso ter garantias em investimentos em outras fontes de energia que possam suprir as oscilações da oferta.
Não era de se esperar que a Venezuela, com suas enormes reservas de petróleo, tivesse que enfrentar uma crise de energia, com racionamento. Isso mostra falta de planejamento.
O autoritarismo de Chávez virou incerteza regulatória.
Ele muda as regras quando quer. As políticas e as econômicas. Tem hostilizado empresas estrangeiras e até o capital nacional privado. Qualquer divergência com um de seus ditames pode ser suficiente para que desabe sobre a empresa alguma mudança de regra. E tudo tem sempre o objetivo explícito de perseguir qualquer voz discordante.
Recentemente, o Banco Central venezuelano encampou o Banco Federal, uma instituição privada, que acabou sendo estatizada. Agora fica claro por quê. O banco tinha ações da TV que tem uma posição mais crítica a Chávez, a Globovisión. O governo está anunciando que vai nomear conselheiros para a emissora, coisa que pode fazer, já que é agora um dos acionistas.
A Venezuela já está pagando o custo político de um governo como esse. O país há muito tempo não é uma democracia. As regras das eleições são manipuladas para favorecê-lo; mas quando não favorecem, Chávez tira poderes do administrador de oposição que foi eleito. A Constituição tem sido alterada com frequência apenas para favorecer seu projeto de eternização do poder. Tudo é tão claramente autoritário que é espantoso que o regime chavista tenha tantos defensores no governo brasileiro.
Nunca é demais dizer: uma coisa é manter boas relações com a Venezuela, outra, diferente, é defender Hugo Chávez. O presidente Lula e seus dois ministros das relações exteriores — Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia — defendem Chávez. Parecem desconhecer as lições da História de governantes que chegaram ao poder pelo voto e usaram o poder para destruir as bases da democracia que os elegeu.
A Cepal trouxe números inequívocos no relatório divulgado ontem. As projeções da instituição para o crescimento na região são: Brasil, 7,6%; Uruguai, 7%; Paraguai, 7%; Argentina, 6,8%; Peru, 6,7%; Bolívia, 4,5%; Chile, 4,3%, apesar do terremoto; México, 4,1%.
Dois países estão em recessão: Haiti, 8,5%; e Venezuela, -3%.
Outras análises mostram a mesma tendência de que a Venezuela tenha recessão este ano e continue no ano que vem com o PIB negativo.
Além disso, o país enfrenta uma longa inflação, a maior da região. Há vários anos a inflação está em dois dígitos e este ano está próximo de 30%. Em maio, a enviada especial do GLOBO a Caracas, Mariana Timóteo da Costa, mostrou que a inflação e a grave crise de desabastecimento estão tirando popularidade do presidente.
É por isso que Chávez está mais uma vez tentando um espetáculo de marketing.
Este ano há eleições para o Congresso e há risco de que ele perca. Ele saiu à cata de algo espetacular para capturar a atenção pública.
Foi mais fundo que podia: exumar o cadáver de Simón Bolívar. Seria cômico se não fosse uma forma patética de manipular a opinião pública.
O Chile pediu para enviar senadores para acompanhar as eleições venezuelanas em setembro e pediu à OEA uma atitude de maior vigilância às eleições. O Conselho Nacional Eleitoral — controlado por Chávez, como tudo mais — rejeitou com uma nota em que afirma que: “não permitiremos que nenhum ator alheio à Venezuela intervenha e coloque sob suspeita a vontade soberana do povo.” Curioso. Hugo Chávez interfere e dá palpite em todas as eleições da região — principalmente no Peru, Equador e Bolívia — sem mostrar o mínimo respeito à vontade soberana do povo desses países.
Há entre os governistas mais aguerridos a impressão de que o país deve agradecer ao presidente Lula por ter sido magnânimo e não ter tentado um terceiro mandato; que ele o teria se tivesse tentado. Um equívoco.
A indiscutível popularidade do presidente Lula não era garantia de que ele ganharia a eleição se tivesse a possibilidade de tentar. Para abrir o caminho para essa tentativa, Lula teria que mudar a Constituição. Na Colômbia, o ex-presidente Álvaro Uribe foi informado pela Suprema Corte de que nem deveria tentar um terceiro mandato apesar da popularidade que tinha. Aqui, Lula também teria os mesmos obstáculos. O Brasil não aceitaria que o presidente seguisse o caminho do continuísmo chavista e tem estado atento a qualquer tentativa de se repetir aqui alguns dos truques do modelo Hugo Chávez.
O caminho do desrespeito às leis não tem volta e leva ao fracasso político e econômico.
É apenas uma questão de tempo. Para a Venezuela, a conta econômica chegou. A proposta intervencionista e autoritária de Chávez deu errado. A Venezuela está perdendo o melhor momento da região.