O Estado de S.Paulo- 25/07/10
Quanto custa a democracia? Depende. Numa sociedade de cultura política desenvolvida o custo é diferente do de nações onde as instituições políticas e sociais ainda estão em processo de consolidação. O grau de desenvolvimento de um povo é boa régua para aferir a qualidade de um sistema democrático. Sob essa hipótese, pode-se garantir que quanto mais elevado o grau civilizatório de um povo, mais forte e menos custosa será sua democracia. Na ciência dos comportamentos políticos e sociais, porém, as questões não podem ser simplificadas. Não se pode esquecer que a nova disposição do mundo, abrigando amplas conexões e integração de interesses, passa a ser fator essencial na avaliação da ordem democrática de países centrais e periféricos. Os norte-americanos, por exemplo, quando avaliam a eficácia de sua democracia, levam em conta a influência que gera em outros espaços, conformando-se até com o fato de que ela começa a corroer o bolso. Veja-se a conta que pagam: US$ 1,15 trilhão para arcar com os custos das guerras no Afeganistão, no Iraque e em outras regiões do mundo. A fabulosa quantia só é menor que os US$ 4,1 trilhões gastos na 2.ª Guerra.
E quanto custa a democracia brasileira? Impossível fechar a planilha. É razoável apontar uma tendência a partir de dados que se conhecem: nossa democracia vem subindo de preço. Como não somos uma nação-império, que tem de arcar com as despesas de outros (excetuando-se o perdão concedido a débitos de países africanos e um ou outro nas proximidades), a conclusão é de que os buracos no tecido democrático são feitos aqui mesmo e por conta dos nossos padrões democráticos. Há maneiras diferentes de avaliar o rombo. Dentre elas estão gastos excessivos com estruturas públicas nas três instâncias da Federação; o adensamento das massas funcionais; a multiplicação de municípios; a sempiterna disposição de expandir o número de Estados (tramitam projetos para a criação de mais três entes federativos); os excessivos dispêndios com a burocracia inoperante; o superfaturamento de obras, ilícito banalizado que já se encaixou na rotina da administração; a ausência de planejamento com metas para os serviços públicos... Não é de admirar que esse conjunto mal-ajambrado se reflita no desenvolvimento do País, a partir da distorção na taxa de poupança nacional em relação ao PIB, que em 2009 foi de apenas 14,6%, baixa em comparação com outros países. Basta lembrar que a taxa de poupança da China é de 40% do PIB. Anote-se ainda que os chineses não são bom exemplo de democracia.
Há, porém, em nosso território um nicho que faz relação direta com o ideário democrático. Trata-se do sistema eleitoral. O escopo da democracia pode ser sintetizado pelo famoso dito de Lincoln: a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. O povo é, portanto, fonte primária do poder, de conformidade com o princípio da soberania popular, o qual está bem explícito no preâmbulo e artigo 1.º da Constituição de 1988. Para representar o povo políticos se engalfinham numa disputa que se torna a cada ciclo eleitoral mais acirrada e competitiva. Assim, a escolha da representação, que constituía dever de honra no berço da democracia, a velha Grécia dos grandes filósofos, transforma-se em negócio dos mais rentáveis. A bolsa da política impõe novos métodos de ação e incorpora práticas usadas no mercado de compra e troca de bens e mercadorias. Torna-se tão atraente que este ano juntará na arena eleitoral cerca de 20 mil candidatos para disputar o voto de 135 milhões de eleitores.
Por essa trilha podemos acompanhar a evolução contínua do custo da operação política essencial à oxigenação da democracia. Trata-se do custo do voto, que sobe às alturas. Vejamos.
Na campanha presidencial de 2002 o então candidato José Serra despendeu R$ 18.177.712 e Luiz Inácio gastou até mais, R$ 26.589.234. Este ano Serra gastará R$ 180 milhões, que significam um aumento de 890,22% em relação a 2002 e de 119,78% em relação ao gasto de R$ 81.900.000 feito por Geraldo Alckmin em 2006. Já a candidata Dilma Rousseff poderá gastar este ano R$ 157 milhões, representando um acréscimo de 490,46% em relação ao gasto por Lula na campanha de 2002 e de 50,52% em relação aos gastos da campanha de 2006, quando o PT gastou R$ 104.300.000. Trata-se de extraordinário aumento do custo do voto, principalmente quando se consideram as proibições feitas pelo Tribunal Superior Eleitoral, como brindes, camisetas promocionais, outdoors e showmícios com artistas. Se a campanha deste ano é mais reduzida, abriu outras direções (e despesas), a partir da logística, cujo suporte nos deslocamentos é dado por modernas aeronaves.
A substancial expansão de custos tem que ver também com a profissionalização de estruturas, nas quais se abrigam institutos de pesquisas, agências de marketing, comitês e exércitos bem treinados nas técnicas de cooptação. A formatação global do pleito em São Paulo, que abriga mais de 30 milhões de eleitores, desce ao microcosmo e chega ao menor dos Estados, onde o custo do voto vai aos píncaros. O voto em Roraima, com cerca de 270 mil eleitores, chega a R$ 116,72. A equação leva em conta as densidades eleitorais: quanto maior o número de eleitores, mais barato o voto. Em São Paulo, maior colégio eleitoral, o custo por eleitor é de R$ 6,51, mas na campanha de 2002 era metade disso. O assombro é maior quando se pinçam exemplos de outros países. No final de 2005 Angela Merkel derrotou Gerhard Schroder, na Alemanha, tornando-se chanceler, em campanha em que gastou o equivalente a R$ 134 milhões. No mesmo ano, na Grã-Bretanha, o Partido Trabalhista e o Partido Conservador gastaram cerca de R$ 144 milhões, valores inferiores ao que se gasta por aqui.
O mineiro Milton Campos, democrata e liberal, pregava um "governo mais das leis que dos homens". Infelizmente, o que estamos a assistir no País é à instalação de um governo cada vez mais dos homens e menos das leis.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO