O GLOBO
PANORAMA ECONÔMICO
A reforma financeira aprovada nos Estados Unidos não se parece com os Estados Unidos. Num país que se orgulha de ter uma constituição sintética, a nova lei tem 2.300 páginas. Num país que prega o liberalismo econômico, ela interfere, cria burocracias, aumenta gastos e número de funcionários. Mas é isso, ou correr o risco de novas crises. Haverá menos crédito circulando, mas a chance é de haver mais segurança
Novas agências de fiscalização foram criadas, uma delas é muito interessante: a que vai proteger consumidores de produtos financeiros.
O mercado de commodities vai perder liquidez e isso pode afetar o valor dos produtos exportados pelo Brasil.
A presidente da SEC (Securities Exchange Comission), Mary Schapiro, principal órgão regulador do mercado financeiro, disse que precisará de mais 800 funcionários para lidar com o aumento de atribuições. A FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation), responsável por garantir os depósitos dos correntistas, solicitou mais US$ 50 milhões de orçamento. Uma das coisas que a FDIC poderá fazer agora é liquidar bancos que estejam com problemas.
Um conselho de 10 economistas, liderados pelo secretário do Tesouro, será formado para detectar problemas no sistema. A reforma se propõe a acabar com a ideia de que existem bancos “grandes demais para quebrar”. O Congresso americano poderá solicitar auditorias sobre operações do Fed que não estejam relacionadas à política monetária, como nos empréstimos a instituições financeiras com problemas. Os bancos terão que ter planos de emergência para evitar o que ocorreu quando quebraram, sem haver qualquer regulamentação jurídica, bancos como o Lehman Brothers e o Bear Sterns.
As agências de rating serão supervisionadas e poderão ser processadas em casos de falhas. Os fundos de hegde serão obrigados a manter registro de suas operações. As negociações de balcão foram limitadas e elas agora terão que acontecer em bolsa. Também foram ampliadas as atribuições do CFTC, o órgão que regula o mercado futuro de commodities. A regra Volcker, em homenagem ao conselheiro econômico de Obama, limita a atuação de bancos comercias em mercados mais arriscados.
Sob a guarda do banco central ficará o CFPB (Consumer Financial Protection Bureau), uma agência especializada em proteger consumidores contra os riscos de produtos financeiros.
A crise de 2008 começou justamente porque foram concedidos empréstimos a quem não podia pagar.
Essas hipotecas foram misturadas a outros produtos e revendidas no mercado.
No final, fundos e pessoas investiam em produtos financeiros cuja qualidade eles desconheciam.
O diretor de economia da Anefac, Andrew Storfer, lembra que essa falta de transparência é que foi a origem dos muitos problemas: — As dívidas foram reempacotadas em novos produtos e se espalharam pela economia. O resultado foi que os bancos perderam o controle sobre quem é que estava garantindo cada um daqueles papéis.
Para o economista-chefe do Banco West LB, Roberto Padovani, a criação dessa agência é ponto-chave da reforma porque mostra que o espírito do texto é proteger o contribuinte.
— O texto aprovado não livra a economia do risco de novas crises bancárias porque tentar isso é praticamente impossível. Mas ele protege o consumidor e diminui os custos de uma nova crise para a sociedade.
Foram criadas novas agências de regulação e o sistema como um todo também terá que aumentar a transparência por meio de controles contábeis mais rigorosos.
Na crise de 2008, descobriu-se que muitas operações financeiras estavam sendo feitas fora dos balanços das instituições.
Isso agora ficará mais difícil — explicou.
Padovani acredita que para a economia mundial, um dos efeitos da reforma será uma menor alavancagem.
Ou seja, como os bancos terão que emprestar menos, em relação ao seu capital, isso reduzirá o crédito e afetará o crescimento dos países.
— Nos próximos anos, a principal economia mundial vai se alavancar menos.
Haverá menos lenha na fogueira: menos crédito para bancos, empresas e para os próprios consumidores. É um fator de inibição para o crescimento — afirmou.
As novas regras poderão levar até três anos para entrar em vigor. Para o exdiretor do Banco Central e presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, outro efeito da reforma será o aumento do custo do crédito.
— As novas medidas serão adotadas lentamente, mas certamente haverá um custo regulatório que irá encarecer o crédito — disse.
Andrew Storfer, da Anefac, acha que ainda é cedo para dizer que o crédito ficará mais caro porque ele terá mais qualidade, logo, carregará menos risco.
O presidente da Associação de Exportadores do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, diz que há um ponto que pode afetar o Brasil. Os bancos comerciais terão restrições para atuar no mercado de commodities.
Isso terá impacto na definição de preços. Em momentos de alta liquidez, esses produtos têm aumento de preço porque são muito negociados em mercado.
Mas é exatamente esses exageros de preços que se quer evitar com a reforma.
— Atualmente, estamos sendo favorecidos pelos preços internacionais, mas isso pode mudar a qualquer momento, com a queda da liquidez.
Não temos poder sobre a definição desses preços e 70% de nossas exportações são de commodities.
O Brasil não está preparado para essa mudança de cenário, que pode já acontecer em 2011 — explicou José Augusto de Castro