sábado, junho 19, 2010

Galáxias subterrâneas

veja

O fotógrafo americano Kevin Downey – que comenta
as imagens destas páginas – tem uma paixão: revelar 
as paisagens estelares ocultas na escuridão das cavernas


Bruno Meier

Fotos Kevin Downey
CRISTAIS GIGANTES
"Esta foto foi feita na caverna de Naica, no México, logo após a descoberta desta sala por homens que trabalhavam em uma mina de prata. Várias áreas como esta, com cristais de gipsita gigantes, foram encontradas quando a perfuração da mina atingiu a caverna natural, que estava sob a água. A água foi bombeada para fora. Foi muito desafiador fazer esta foto, já que a temperatura na caverna variava de 64 a 72 graus. Construí uma roupa especial com refrigeração, e cada tomada foi realizada com um modelo diferente, pois eles suportavam no máximo três minutos nas zonas quentes. Hoje, a caverna é protegida por uma porta de aço e a temperatura é mais baixa – cerca de 57 graus –, devido ao ar refrigerado da mina"


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O fotógrafo americano Kevin Downey teve de produzir uma roupa especial, com refrigeração, para desbravar a Caverna dos Cristais, em Naica, remota região do norte do México. No interior da caverna, descoberta há dez anos por dois irmãos que faziam perfurações em uma das minas de prata mais produtivas do país, a temperatura variava de 64 a 72 graus. Devido a esse calor sufocante, os exploradores e espeleólogos – como são chamados os estudiosos de cavernas – que posaram para as fotos não podiam permanecer mais do que três minutos no ambiente. Como se vê abaixo, o resultado é espantoso: um homem, aparentemente diminuto, rodeado de cristais imensos. Formado em geologia e fotografia pela Universidade de Massachusetts, Downey possui o maior banco de imagens do mundo sobre cavernas, com cerca de 200.000 fotos subterrâneas. Foi por causa das expedições de exploração e mapeamento, em que ele se empenha desde 1971, que o interesse por fotografia surgiu. "Vi que ninguém fazia boas fotos desses lugares. Queria ter belas imagens das nossas descobertas, e pensei que isso seria fácil, rápido e simples. Pensei errado", disse a VEJA o espeleólogo, que visita o Brasil pela primeira vez a partir desta sexta-feira, para uma série de palestras e cursos em São Paulo e Belo Horizonte, promovidos pelo Instituto do Carste, dedicado à espeleologia. Downey trará sua vasta experiência em mais de 2.400 excursões em cavernas de 44 países, cada uma delas com suas maravilhas visuais e suas dificuldades técnicas (nas legendas das fotos destas páginas, o especialista comenta os desafios de cinco das cavernas que desbravou).

Recomenda-se que todo explorador de cavernas carregue pelo menos três fontes de luz, uma delas acoplada ao capacete. Os fotógrafos, porém, precisam de mais. Para registrarem imagens em ambientes de quase total escuridão, carregam um poderoso arsenal de flashes e baterias. Nos Estados Unidos e na Europa, costumam usar bulbos descartáveis de magnésio, que explodem quando acionados e produzem uma luz muito intensa. A ausência de iluminação nos subterrâneos é a principal, mas não a única, dificuldade. A umidade também pode atrapalhar: Downey desceu oito vezes o abismo de 180 metros de profundidade de uma caverna no estado da Geórgia, nos Estados Unidos, até conseguir a condição mais seca possível. Existem, ainda, ambientes delicados, em que um movimento descuidado pode destruir formações de rocha que levaram séculos para surgir. Em alguns casos, são agentes biológicos que oferecem riscos – em cavernas da Amazônia habitadas por morcegos, só é possível entrar de máscara, pois as fezes dos animais, além de insuportavelmente malcheirosas, contêm microrganismos nocivos.

"As cavernas hoje são a única área de exploração do mundo em que ainda temos a sensação do desconhecido. O prazer de não saber o que se vai encontrar pela frente é o que mais nos atrai", diz o geólogo Augusto Auler, do Instituto Carste. Os fotógrafos desses vastos sistemas subterrâneos revelam florestas pétreas, cogumelos gigantes, cristais magníficos – paisagens estelares ocultas na escuridão subterrânea.

COMO EM UM SALÃO DE BAILE
"Esta é uma formação de cristais de selenita – gesso, basicamente – na caverna Lechuguilla, no estado do Novo México. Esta sala possui dezenas desses 'candelabros', e eles são as maiores e mais perfeitas formações desse tipo conhecidas no mundo. Lechuguilla é, talvez, a caverna mais ornamentada encontrada até hoje. O acesso a ela é permitido apenas para fins de exploração e pesquisa. Atualmente, por exemplo, ela tem cerca de 200 quilômetros 'desenvolvidos', como dizemos, e a cada expedição esse número aumenta"



UM POÇO SEM FUNDO
"Este abismo na caverna Ellison, no estado americano da Geórgia, tem cerca de 180 metros em queda livre e está situado abaixo de dois outros abismos menores. A iluminação foi feita por um único espeleólogo: à medida que descia pela corda, ele ia disparando flashes potentes, com uma exposição longa. Em geral, uma cachoeira cai por este abismo, e o ambiente fica repleto de gotículas de água em suspensão. Fiz oito viagens ao local no período de um ano até encontrá-lo assim, quase seco. Ainda havia um pouco de névoa, mas ela ajuda a dimensionar a profundidade do poço. Muitas das técnicas usadas na exploração de grandes abismos no mundo inteiro foram desenvolvidas aqui"



COGUMELOS EXÓTICOS
"Esta estalagmite gigante em forma de cogumelo é feita de calcita e dolomita e fica em um sistema de cavernas batizado de Jarrito, no norte de Cuba. Essas cavernas sofreram uma longa série de inundações e secas, e em várias ocasiões estiveram no nível da haloclina, onde água salgada e água doce se misturam – ou seja, praticamente no nível do mar. Tais formas exóticas são muito raras e contêm um registro perfeito das condições da caverna ao longo do tempo. Isso é essencial para compreender as variações climáticas que ocorreram nessa região no passado. Dezenas de quilômetros de galerias já foram mapeadas em Jarrito, mas o potencial para novas descobertas ainda é grande"


 

UMA FLORESTA SECRETA
"Chamo esta formação de 'floresta secreta de canudos'. Ela fica no interior de uma caverna do sul da França cuja localização exata é mantida em sigilo, a fim de proteger esses canudos extremamente delicados. Tratam-se de tubos ocos de calcita cristalina, e um único toque é suficiente para destruí-los. Fazer esta foto envolveu uma considerável equipe de apoio, além de grande cuidado, para garantir que tudo permanecesse intacto"