sábado, junho 05, 2010

Código do erro Miriam Leitão


Por que o Código Florestal tem que ser mudado? Dizem que é para ter mais área para a agricultura.

Especialistas da USP lançarão um estudo mostrando que o Brasil tem 61 mil hectares de área já desmatada de alta e média produtividade agrícola e que não está sendo usada. Proteger topo de morro, encostas íngremes e mata ciliar é impossível ou a coisa sensata a fazer?

Na próxima semana, o deputado Aldo Rebelo (PCdoBSP) apresentará seu relatório de mudança do código florestal.

O deputado, pelo que disse ao GLOBO no domingo, está convencido de que a lei não pode ser cumprida e que os produtores devem ter uma moratória de cinco anos para se adaptar a ela. A lei tem 50 anos. Meio século pelo visto não foi tempo suficiente para os produtores respeitarem a lei.

Se o deputado Aldo Rebelo não apresentar alguém que foi preso pelo “crime” de tirar uma minhoca da beira de um rio, então seu argumento contra o atual Código Florestal será apenas mais uma das suas caricaturas.

Como é caricatural a ideia de que quem luta pela preservação do meio ambiente é contra o desenvolvimento do país ou está à serviço de potências estrangeiras.

O deputado Rebelo pelo que ele já disse sobre seu projeto demonstrou que ouviu apenas as razões de uma das partes. Fazer audiências públicas com pessoas que divergem só vale se for para ouvir e ponderar o que cada parte tem a dizer. Se é para considerar apenas o que uma parte disse, então o ritual é figuração.

Ele quer provar que a lei é radical, protege exageradamente o meio ambiente. Precisará convencer que em 1965 a consciência ambiental era uma obsessão radical do governo militar. Quer provar também que a lei atende a interesses de ONGs que teriam o interesse maligno de conspirar contra o desenvolvimento do Brasil.

Também será preciso convencer que os militares de então fizeram uma conspiração com as atuais ONGs para impedir o progresso brasileiro. Uma impossibilidade intertemporal; para não chamar de delírio.

A proposta de que se delegue aos estados o direito de fixar qual é a reserva legal que deve ser respeitada ou a delimitação das áreas de preservação permanente tem um precedente. Santa Catarina, depois da tragédias das chuvas em novembro de 2008, aprovou uma lei mais flexível. Foi uma decisão insensata depois de um aviso tão eloquente da natureza.

As Áreas de Preservação Permanentes (APPs) não são um capricho da lei. São uma decisão racional: proteger as áreas mais frágeis como os topos de morros, terrenos mais inclinados, as matas ciliares dos rios, as encostas.

No cenário das mudanças climáticas, com eventos mais extremos, ser mais permissivo pode ser contratar desastres.

Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon, explica que além disso é inconstitucional ter uma lei estadual mais flexível que uma lei federal: — A lei estadual só pode ser diferente se for para ser mais rigorosa. Além disso, baseado em que vai se flexibilizar? Dizem que vão ouvir a ciência. Vão ouvir a ciência conveniente.

O que é necessário é ouvir amplamente os cientistas de diversas correntes e áreas sobre os riscos dessas mudanças.

Ele diz que ficou cansado de ir a audiências públicas em que deputados e senadores apareciam, falavam absurdos, e se retiravam sem ouvir os contra-argumentos às suas teses: — Sonho com um debate que não seja enviesado, um processo baseado nas perguntas certas e mediado por profissionais em resolução de conflitos ou estadistas. A pergunta deveria ser: que código florestal precisamos para garantir a proteção e a produção? Os pontos polêmicos de cada questão deveriam ser objeto de estudos de especialistas.

O erro principal da mudança do Código Florestal é se basear na tese de que é preciso anistiar o que foi feito errado. Isso dá um sinal de que é bom desrespeitar a lei e que bobo é quem a respeita. Quem fez tudo direito será prejudicado quando seu vizinho que desrespeitou a lei for anistiado.

O relatório da Polícia Federal sobre a Operação Jurupari traz indícios das mais variadas fraudes para desmatar espécies nobres da Amazônia. São crimes contra o meio ambiente, cometidos por fazendeiros em conluio com funcionários públicos. Há inclusive manipulação de dados de um sistema de georeferenciamento de propriedades montado por uma empresa privada, que faz o trabalho de forma terceirizada, para quatro estados: Mato Grosso, Pará, Maranhão e Rondônia.

O que fazer diante desses crimes? Anistiá-los porque a lei é rígida? Mudar a lei? Dar mais cinco anos para que eles cumpram uma lei que está em vigor há 50 anos? Ou combater o crime e exigir o cumprimento da lei? O Brasil está diante de uma encruzilhada importante.

É grande produtor de alimentos. Será cada vez mais vulnerável às barreiras se continuar desmatando para produzir. Os grandes frigoríficos do Brasil não conseguiram em seis meses comprovar que seus fornecedores não estão desmatando, exigência do pacto contra o desmatamento.

Ganharam mais seis meses de prazo. O Ministério Público começou uma forte campanha com filmes e áudios tentando sensibilizar o consumidor de carne produzida na Amazônia de que ele pode estar incentivando o desmatamento.

A encruzilhada é: apertar o cerco a quem pratica crime ambiental ou mudar a lei para beneficiar quem a descumpriu? Se for a segunda opção, o país tem que se perguntar até que ponto vai flexibilizar, porque, não sejamos ingênuos, novas concessões serão exigidas para anistiar novos crimes.

oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br

COM ALVARO GRIBEL