O Estado de S. Paulo - 02/05/2010
Mal começamos a crescer e já falta mão de obra de todos os tipos, desde qualificações relativamente modestas até o pessoal com treinamento pós-graduado. Naturalmente os salários estão em forte alta. Segundo os dados do Caged, do Ministério do Trabalho, os salários de admissão dos trabalhadores, em termos reais, cresceram 3,9% no trimestre de dezembro a fevereiro deste ano, contra os dados do período de setembro a novembro de 2009, ou seja, uma taxa anualizada de 16%. Em alguns setores, os ganhos salariais são muito expressivos: 10,1% na extrativa mineral, 9,3% na farmacêutica e perfumaria, 9,1% na indústria de papel e 9% no ensino. Na construção civil, os ganhos salariais são de 9,7%, como calculados pelo Índice Nacional da Construção Civil.
Este desempenho é muito maior do que aqueles obtidos nos dissídios coletivos. Revela-se uma situação em que o único lugar para se contratar um novo funcionário é a empresa do vizinho; para tanto é preciso pagar bem, até uma espécie de bônus de subscrição. Nessa situação, as empresas, além de pagarem mais, têm de elevar seus esforços e gastos com treinamento para adequar os trabalhadores às suas necessidades. Cresce também a necessidade de políticas de retenção dos colaboradores, não só para se defender do assédio dos concorrentes, mas também para garantir a qualidade de produção. É maior a importância da diretoria de recursos humanos na implantação de novos projetos.
Este processo mostra como nosso sistema educacional está aquém das necessidades do País. Não pretendo ser um entendido em questões educacionais, mas fui professor do Departamento de Economia da FEA/USP por 35 anos, bem como aprendi muita coisa com gente do primeiro time, como meus amigos José Arthur Giannotti e Claudio Moura Castro. Posso, portanto, dizer que o ensino ainda é, no geral, de baixa qualidade; que boa parte da universidade está distante do mercado, da pesquisa e que detesta ser avaliada, no contexto de um processo de busca de maior qualidade e produtividade (nos casos onde a qualidade e a dinâmica predominam, como as escolas de engenharia de São José dos Campos e de São Carlos, no Estado de São Paulo, o sucesso é retumbante).
Esse comportamento não se restringe ao ensino superior: basta ver as medievais manifestações do sindicato dos professores de São Paulo (Apeoesp) contra o sistema de premiação por desempenho (na verdade contra tudo, até os livros). Temos também um enorme déficit de investimento no ensino fundamental, que é o período de aprendizado básico para toda a vida. Prevalece ainda uma visão quantitativa e obrista da educação, criando-se instituições sem os requerimentos mínimos para o ensino e a pesquisa. Ao mesmo tempo, o ensino técnico, embora tenha se expandido recentemente, ainda enfrenta um enorme excesso de demanda.
Uma situação dessa não se modifica no curto prazo. Podemos esperar que a pressão no mercado de trabalho, para o bem e para o mal, seguirá sendo a regra para os próximos anos, mesmo que o Brasil volte a crescer em torno de 4% a 4,5%, como esperamos para 2011 e adiante.
As consequências mais gerais desse processo são de três ordens: em primeiro lugar, há um crescimento da massa real de rendimentos do trabalho. Projetamos uma elevação de 6,5% neste ano e algo entre 5,5% e 6% para os próximos períodos. Isso é bom para o cidadão e bom para o consumidor; é também excelente para as vendas no mercado interno, como discutimos no nosso artigo "Duas alavancas do desenvolvimento", dias atrás. Em segundo lugar, a pressão no mercado de trabalho representa elevação de custos para as empresas: diretos, de treinamento e de retenção. Esses custos se somam à elevação das despesas com materiais, resultado de uma alta dos preços internacionais, formando uma pressão inflacionária. Por outro lado, o que se observa hoje no Brasil é uma demanda que cresce de forma muito acelerada e uma forte pressão para a elevação da oferta. Nesses momentos, as empresas se concentram em elevar o mais rápido possível a produção, mesmo com custos maiores, pois eles são facilmente repassados adiante. É por isso que as projeções de inflação continuam a ser revisadas para cima, como as da MB, que apontam para uma elevação do IPCA de 5,7% e do IGP-M de 7,4%.
Esse fenômeno de escassez de mão de obra vai durar anos, considerando-se as limitações de nosso sistema educacional e o contínuo e bem-vindo progresso tecnológico, que vai marcando a atual recuperação do crescimento mundial (mesmo considerando-se a difícil situação europeia). O processo será simultaneamente alegre e doloroso. Alegre pelo que propicia de futuro para os jovens que conseguem a obtenção das qualificações necessárias ao trabalho; doloroso para os profissionais do meio para o fim da carreira, trabalhando em setores vivendo intenso processo de consolidação, onde certas técnicas estão sendo substituídas, e que não estão habilitados para os novos processos. Basta pensar na substituição do corte manual de cana por sofisticadas colheitadeiras ou os processos de desenho manual por programas computadorizados (CAD/CAM). A recapacitação de profissionais maduros é um de nossos maiores desafios, pelos quais os sindicatos, com o caixa abarrotado pelas benesses federais, poderiam fazer muito mais.
A massa salarial continuará crescendo, assim como os custos do trabalho. Do ponto de vista micro, quatro pontos devem ser levantados. Em primeiro lugar, acredito ser do interesse de todos, especialmente dos trabalhadores, que não se criem mais ônus para os custos trabalhistas, como a redução da jornada de trabalho para 40 horas, pois o resultado poderá se voltar contra a criação de emprego, tanto nas empresas mais frágeis como nas mais fortes. Nas mais frágeis, a perda de competitividade poderá levar à estagnação ou à informalidade. Nas mais fortes, crescerá o estímulo para a adoção de técnicas mais intensivas em capital.
Em segundo lugar, e independentemente de novos ônus, a elevação dos custos salariais coloca para todas as empresas a imperiosa necessidade de elevar a eficiência e a produtividade nas várias linhas de atividade. Eventualmente, pode ser necessário concentrar-se em algumas atividades, abrindo mão daquelas menos competitivas.
Em terceiro lugar, já se observa a tendência, em empresas líderes, de alteração de tecnologias e modo de operação, na direção de métodos muito mais intensivos em capital, com a utilização de um reduzido contingente de colaboradores de alta capacitação, levando a saltos de produtividade e retornos muito mais expressivos. No caso de atividade agrícola, por exemplo, algumas empresas produtoras de grãos estão em um segundo estágio de mecanização, utilizando-se de máquinas mais pesadas (e poucas), pilotadas por técnicos mais treinados que os operadores tradicionais. O maior custo salarial é francamente compensado pela elevação da produtividade. Na indústria, avança rapidamente a utilização de sistemas de controle de produção muito mais automatizados, bem como maior número de robôs.
Finalmente, em alguns casos, o modelo de negócios deverá ser revisado, desde que baseado no pressuposto da existência de grande contingente de mão de obra com custo reduzido. Um exemplo atual é o dos "call centers"; o mesmo vale para a necessidade da industrialização da construção de casas populares.