segunda-feira, maio 17, 2010

A matriz energética brasileira José Goldemberg


O Estado de S. Paulo - 17/05/2010

O governo federal publicou recentemente (em 4/5) o Plano Decenal de Expansão da Energia 2019, que faz projeções sobre o crescimento da produção de energia no País e os caminhos que esse crescimento, provavelmente, vai seguir. É um documento importante porque é com base nele que são feitos os leilões para a construção de novas usinas e outros empreendimentos da área energética.

Os planos anteriores do atual governo (desde 2002) receberam sérias críticas porque estavam levando o País a abandonar uma matriz energética limpa, como se viu nos leilões de energia nova nos últimos anos. Esses leilões deram como resultado um aumento significativo da geração de energia elétrica por meio de usinas termoelétricas, queimando carvão e óleo combustível, o que reduziria significativamente a participação porcentual de energias renováveis (de hidrelétricas, biomassa e usinas eólicas).

O novo plano tenta corrigir alguns - mas não todos - desses desvios.

A mais importante correção é que ele indica "a retomada da participação de fontes renováveis na matriz elétrica a partir do ano 2014, em detrimento das fontes baseadas em combustíveis fósseis, contribuindo para o desenvolvimento sustentável das fontes de geração".

A orientação do plano anterior (2008-2017) é, pois, abandonada e o novo não prevê nenhuma expansão da geração com carvão, gás e óleo combustível além de 2013. A expansão deverá ocorrer com a biomassa (geração com bagaço da cana), usinas eólicas e hidrelétricas. O governo, que estava realmente na contramão da História, volta ao caminho correto. É uma vitória do bom senso!

A razão dada para esse resultado, segundo as autoridades do setor, na ocasião, foi a de que o governo encontrou sérias dificuldades na área ambiental para licenciar grandes usinas hidrelétricas. Sucede que há inúmeros outros aproveitamentos possíveis na Amazônia que criariam problemas ambientais menores, mas o governo negligenciou a execução de levantamentos hidrográficos necessários para leiloar essas usinas.

O novo Plano Decenal, contudo, mostra claramente que as autoridades responsáveis se deram conta de que estavam no caminho errado e tentam agora corrigir esses erros. Até 2019 é prevista a construção de cerca de 30 milhões de megawatts hidrelétricos (incluindo Belo Monte).

Há, porém, outras correções que o plano de expansão da energia elétrica ainda não absorveu, apesar dos esforços que vários especialistas têm feito para esclarecer as autoridades.

O novo Plano Decenal - como os anteriores - não dá a importância devida ao papel que a eficiência energética, isto é, a racionalização do uso de energia (em todas as formas) poderia ter no País. O que ele prevê são economias de energia de menos de 5% em 2019 (em 2010 ela é de apenas 1%), apesar de a experiência internacional mostrar que se poderia economizar muito mais, sem abrir mão dos confortos que a civilização moderna nos oferece. A União Europeia, por exemplo, estaria consumindo 50% mais energia se não tivessem sido adotadas sérias medidas de conservação energética - algumas delas são o uso de geladeiras mais eficientes, automóveis com maior quilometragem por litro de combustível e muitas outras, relativamente simples, que são bem conhecidas e testadas na prática.

É bem verdade que o consumo de energia per capita dos brasileiros ainda é baixo e precisa crescer, ao passo que o consumo per capita dos europeus é muito alto. O que é equivocado, contudo, é a ideia de que o Brasil precisa atingir o nível de consumo da Espanha ou da Itália nos próximos 10 ou 15 anos. O clima desses países tem invernos mais severos do que o nosso, de modo que o aquecimento residencial (que quase não existe no Brasil) representa um componente importante no consumo.

Além disso, nada impede que, ao crescer, o Brasil incorpore as melhores tecnologias existentes, de que necessitamos para nosso conforto, com menor consumo de energia, evitando ter de fazer reformas e substituições mais tarde, como acontece usualmente. Só para dar um exemplo, uma casa construída com técnicas modernas, usando iluminação e aquecimento solar, consome 25% menos energia do que uma casa tradicional.

O governo Fernando Henrique Cardoso entendeu bem esse problema ao fazer aprovar em 2001, no Congresso Nacional, uma lei autorizando o Poder Executivo a proibir a produção e comercialização de produtos de consumo que consumissem mais do que uma certa quantidade de energia. A lei só foi regulamentada em fins de 2008 e o governo Lula perdeu uma magnífica oportunidade de racionalizar a matriz energética brasileira. Tudo o que foi feito até agora foi uma campanha de esclarecimento sobre o consumo de energia de equipamentos de uso doméstico, como geladeiras. O que o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), do Ministério de Minas e Energia, fez foi classificar as geladeiras em categorias (melhores e piores), dando ao consumidor a opção voluntária de escolher entre elas, e só recentemente proibiu a fabricação das piores.

Com uma ação efetiva na área de conservação de energia, menos eletricidade será necessária, de modo que as usinas cujo licenciamento ambiental seja muito controvertido poderiam ser adiadas.

Uma consideração que deveria ser levada em conta, neste caso, é que usinas hidrelétricas podem também regularizar a vazão dos rios para evitar enchentes e armazenar água para períodos de seca. Como desde 1986 o volume de água armazenado nas represas brasileiras deixou de aumentar, essa foi a razão básica dos problemas da falta de energia em 2001.

Ninguém deseja que isso torne a acontecer.