O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/05/10
Não que o governo Luiz Inácio da Silva se importe com questões de
conflitos de interesses. Em diversos episódios o presidente já deixou
patente que desvios de conduta em agentes públicos podem ser
enquadrados na categoria dos "erros" e não devem necessariamente ser
julgados por padrões rigorosos antes que se comprove sua natureza
ilícita.
Mas, no caso do, ao que tudo indica nessa altura, ex-secretário
nacional de Justiça Romeu Tuma Júnior, o governo extrapolou na
tolerância. Durante meses aceitou a permanência na presidência do
Conselho Nacional de Combate à Pirataria de um amigo íntimo de
prisioneiro da Polícia Federal acusado por contrabando e
comercialização de artigos eletrônicos pirateados.
Por ocasião da prisão, Tuma Júnior disse ao jornal O Globo ter
procurado seu superior à época, o então ministro da Justiça Tarso
Genro, para perguntar se deveria se afastar do cargo.
"Ele respondeu: toca o pau", relatou Romeu Tuma Júnior na edição do
último dia 12 de maio. Ou é mentira e deveria ser daesmentido, o que
até agora não foi, ou é verdade, o que explica em parte os
salamaleques do governo para conseguir que o secretário se afastasse
do cargo.
Foi mantido no posto devidamente autorizado a despeito da ciência de
que privava da amizade de contrabandista. Preso. E mais: Tuma Júnior
era alvo de investigações da Polícia Federal por suspeita de
envolvimento em tráfico de influência na liberação de dólares
apreendidos em aeroporto e na legalização de estrangeiros em situação
irregular no Brasil, atos que caberiam à secretaria sob seu comando
combater.
Pois bem. Suponhamos que Tuma Júnior não tenha culpa. Ainda assim
resta a absoluta ausência de razoabilidade na situação. Vai além de
qualquer manual.
O estatuto da Comissão de Ética Pública, perante a qual o governo
pediu que Tuma Júnior se defendesse, existe não para julgar crimes,
mas para examinar se a autoridade se enquadra nos preceitos de
preservação de imagem do agente público.
Considera, por exemplo, que receber presentes acima de R$ 100,
frequentar camarotes de empresas privadas em desfiles de escolas de
samba e desfrutes assemelhados prejudicam a aferição da "lisura e da
integridade" do processo decisório governamental por parte da
sociedade.
Imagine-se o que se infere quando o acusado de integrar a máfia
chinesa em São Paulo segue na comitiva do secretário nacional de
Justiça em viagem oficial à China.
Tropa da troça
O presidente da Câmara, Michel Temer, proibiu o cineasta José Padilha
de rodar cenas do filme Tropa de Elite 2 nas dependências da Casa,
emprestando sua autoridade ao autoritarismo.
Limitou a expressão do diretor, em cuja obra retrata deputados
envolvidos com milícias do Rio de Janeiro, mas ainda assim até aí as
coisas estavam no campo político institucional.
Agora tomaram o rumo do risível. Temer foi levado por seus pares a
enveredar pelo terreno da galhofa quando resolveu encaminhar o "caso"
para análise da procuradoria da Casa.
E qual é o caso? O fato de o roteiro ter cenas inspiradas na rotina da
Câmara e de um ou outro parlamentar, cenas de depoimentos em ambientes
semelhantes ao Conselho de Ética e um personagem de nome Fraga.
E daí? Daí que alguns deputados acham uma afronta um diretor de
cinema, um roteirista não lhes pedirem licença para escolher a
temática de suas obras. A Câmara é intocável.
E o deputado Alberto Fraga, um entre os 513 deputados federais achou
que o "Fraga" do filme só podia ser uma inspiração do cineasta José
Padilha em tão famosa figura.
Padilha explicou que nunca ouvira falar no deputado eleito por
Brasília, mas Fraga não se conformou: "Não é um nome comum, como João.
Eu sou o antagonista, o bandido. Peço à procuradoria que analise
isso."
"Isso" o quê? Analisar para quê? Para levar José Padilha ao Conselho
de Ética, cassar a exibição do filme por quebra de decoro parlamentar?
O deputado José Genoino apoia providências: "Estão tentando colocar o
Parlamento como piada."
De fato, mas quem faz isso não é o cineasta.