O Estado de S.Paulo
O mapa brasileiro de políticas públicas sociais divide o País em dois grupos: os que gritam, esperneiam e conseguem o que querem e a maioria desorganizada, excluída e silenciosa, que quase nada tem, nem mesmo meios para tentar conseguir. Enquanto o governo propõe e o Congresso aprova doar R$ 15 milhões para a União Nacional dos Estudantes (UNE) construir sede nova e distribui R$ 64 milhões entre seis centrais sindicais de trabalhadores, crianças indígenas morrem de anemia e desnutrição e metade dos trabalhadores continua sem previdência, sem férias remuneradas, sem jornada de trabalho definida e sem 13.º salário.
Todo mundo sabe que o Brasil gasta mal na área social, é um problema antigo e o diagnóstico é velho e conhecido. Nos últimos 15 anos esse mal vem lentamente sendo corrigido com políticas sociais focalizadas na pobreza que têm mostrado eficácia: a Aposentadoria Rural, o Benefício de Prestação Continuada e o Bolsa-Família tiraram da miséria 22,5% da população. Apesar disso, o Brasil continua muito pobre. Enquanto persistirem desigualdades e a miséria não for erradicada, as políticas sociais precisam focalizar a parcela mais pobre da população. Fora isso, é dispersão sem razão, é desperdiçar dinheiro público com grupos sociais de classe média já contemplados, que querem sempre mais e fazem dos governantes e da classe política aliados e cúmplices para conseguir mais e mais verbas - muitas vezes desviadas para finalidades suspeitas.
A pesquisa Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, publicada sexta-feira (23) no Estadão, denuncia um quadro desalentador: na Região Norte, 66% das crianças índias de até 5 anos sofrem de anemia - 16 vezes além do limite definido pela Organização Mundial da Saúde. A anemia infantil nasce no ventre da mãe, já que a doença atinge 44,8% das mulheres grávidas. Sem saneamento e sem serviços de saúde, a maioria das crianças padece de diarreia e doenças respiratórias. A desnutrição é outro problema: em 2005, mais de 20 crianças das tribos guaranis e xavantes morreram de desnutrição e, no ano seguinte, mais 20 xavantes morreram no norte de Mato Grosso.
O poder público se preocupa com os índios quando deles pode extrair dividendos políticos e eleitorais, como o caso da demarcação de terras da Raposa Serra do Sol, mas não supre a população indígena de direitos básicos de saúde, alimentação, educação e moradia. Para o básico falta tudo.
Mas não falta para a UNE e as centrais sindicais, que arrancam recursos públicos do governo com enorme facilidade. Com liderança cada vez mais questionada pela maioria dos estudantes, a UNE acaba de ganhar do governo R$ 15 milhões para construir sua sede no Rio.
O governo Lula esquece e não cobra explicações sobre uma dezena de convênios irregulares entre a UNE e o Ministério da Educação, entre eles um repasse de R$ 7,8 milhões para pesquisa sobre a história estudantil, que foram parar em uma empresa de segurança de Salvador (BA). Mas não esquece de doar R$ 15 milhões em ano eleitoral e na véspera da reunião do Conselho Nacional de Entidades Gerais (Coneg), onde a UNE discute apoio à candidatura Dilma Rousseff e moção de reprovação a José Serra.
O peleguismo trabalhista-estudantil foi marca na gestão Lula. Logo ele, que tanto condenou Joaquinzão (Joaquim dos Santos Andrade, dirigente sindical na época) e outros pelegos nas décadas de 1970/80, agora reprisa os mesmos métodos. Abastece a UNE de dinheiro público, repassa milhões de reais para as centrais sindicais em convênios com o Ministério do Trabalho e, em 2008, fez aprovar no Congresso lei que destina parte do imposto sindical para as centrais, que há poucos anos eram duas e agora já são seis. Em 2009, elas receberam R$ 64 milhões sem precisar explicar em que aplicaram. Enquanto isso metade da classe trabalhadora não tem carteira assinada nem sindicato que a defenda. Diante de tanta generosidade, alguém espera que a UNE e as centrais sindicais não apoiem a candidatura Dilma?