O Estado de S.Paulo - 01/04/10
Há tempos eu não usava esse verbo no modo intransitivo, o que via quando mais chegado ao futebol, no qual é aplicado se um dos times ou um jogador se inibe diante do adversário. Lembro-me também dos tempos de criança, quando era usado para descrever quem recusava um desafio para um jogo de bolinhas de gude ou fugia de uma briguinha.
De novo, lembrei-me dele ao ler a última ata de reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC). Para decidir sobre a taxa básica de juros, ou taxa Selic, periodicamente ele conclui uma reunião numa quarta-feira e a ata sai na quinta da semana seguinte, como na semana passada. Na sexta é comentada por analistas do mercado financeiro e também por jornalistas. A discussão da ata usualmente termina aí, pois a grande preocupação é o que vai acontecer na reunião seguinte e, como regra, o Copom não diz explicitamente o que vai fazer.
A última ata, entretanto, é atípica. Primeiro, ao mostrar que, fugindo ao que prega e segue, o Copom afinou. Sem uma explicação convincente, ao final tomou a decisão de não alterar a Selic, quando todo o texto anterior indicava que iria aumentá-la. Segundo, porque insolitamente afirma com clareza o que vai fazer ? um aumento dessa taxa ? na próxima reunião, a ser concluída no dia 28 deste mês. Terceiro, não sem razão a discussão da ata seguiu nesta semana, como em matéria do jornalista Fernando Dantas, deste jornal, na terça-feira, que reproduz comentários de dois analistas que também estranharam o que veio no documento.
Ele começa olhando a inflação passada e registra o seu forte agravamento em janeiro e fevereiro deste ano, quanto o índice-meta do Copom, o IPCA do IBGE, mostrou taxas de 0,75% e 0,78%, respectivamente, as quais ficaram perto do dobro do valor médio, cerca de 0,37%, que as taxas mensais precisam ser para a inflação ficar no centro da meta do Copom, de 4,5% ao ano. É verdade que no início do ano houve causas sazonais, como o aumento das anuidades escolares, ou extraordinárias, como as fortes chuvas, que encareceram preços de alimentos in natura.
A ata, contudo, nem se detém nelas. Por razões desse tipo se espera uma queda dessas taxas, mas por outras elas não deverão convergir rapidamente para o valor médio citado. Em síntese, como disse a ata, "... o conjunto das informações disponíveis evidencia deterioração da dinâmica inflacionária na margem".
Em seguida, olhando a inflação futura, a que realmente interessa, o Copom constata que as projeções que elabora mostram essa inflação sensivelmente acima do valor central da meta no final de 2010.
Em seguida, examina a atividade econômica, vê pressões do lado da demanda e conclui que "... aumenta a probabilidade de que desenvolvimentos inflacionários inicialmente localizados venham a apresentar riscos para a trajetória da inflação". Riscos esses que "... derivam, no âmbito externo, de eventual elevação dos preços de commodities; e, no interno, dos efeitos, cumulativos e defasados, da distensão das condições financeiras e do impulso fiscal e creditício sobre a evolução da demanda doméstica, levando-se em conta a dinâmica do consumo e do investimento, em contexto de acelerada redução da margem de ociosidade na utilização dos fatores de produção".
Com isso, a ata diz que "... houve consenso (...) quanto à necessidade de se implementar um ajuste na taxa básica de juros, de forma a conter o descompasso entre o ritmo de expansão da demanda doméstica e a capacidade produtiva da economia, bem como para reforçar a ancoragem das expectativas de inflação". E há outro parágrafo que diz essencialmente a mesma coisa.
Apesar desse consenso, como epílogo veio o dissenso, por cinco votos a três: "Nessas circunstâncias, a maioria (...), tendo em vista as informações disponíveis neste momento, aliado ao fato de que já está em curso o processo de retirada dos estímulos introduzidos durante a crise, entendeu ser mais prudente aguardar a evolução do cenário macroeconômico até a próxima reunião do Comitê, para então dar início ao ajuste da taxa básica."
Note-se que esta última frase começa dizendo "nessas circunstâncias", mas o que elas indicavam mesmo é que viria a decisão de aumentar a taxa. E a explicação que se seguiu não convence, pois a retirada de estímulos é parcial, alguns vieram para ficar e há outros que voltaram a atuar, como o do crédito. Aliás, numa das frases da ata, já citada, há referência aos " efeitos (...) da distensão das condições financeiras e do impulso fiscal e creditício sobre a evolução da demanda doméstica".
Ao dizer que na próxima reunião dará inicio ao ajuste da taxa básica, o Copom está como que a afirmar: "Olha, sinto decepcionar, desta vez não vou lutar, mas na próxima reunião não afinarei." Como disse o economista Márcio Garcia, na citada matéria de Fernando Dantas: "Não é porque estabeleci uma meta de redução para o próximo mês que devo adiar o início da dieta." Ademais, o Copom sempre afirmou que sua ação deve antecipar-se aos fatos, mas não foi o que aconteceu. Aliás, é o que também indica a principal manchete da página onde está essa matéria: Projeção de inflação sobe pela 10.ª vez (consecutiva) ? referindo-se a mais um resultado da pesquisa semanal Focus, realizada pelo BC junto ao mercado financeiro. Com isso a projeção da taxa anual medida pelo IPCA em 2010 chegou a 5,16%.
Não sem razão, a ata aumentou a especulação de que a subida da Selic foi adiada para evitar danos à imagem do presidente do Banco Central, que estaria de saída para ser candidato. Escrevo sem saber sua decisão final. Se sair, essa especulação ganhará força. Em qualquer caso, ele ou seu substituto terão de lidar com o fato de que o conteúdo da ata trouxe danos à credibilidade do Copom.