O Estado de S. Paulo - 01/04/2010
Quando apresentou o novo presidente do Banco Central, em dezembro de 2002, o então eleito presidente Lula o chamou de "companheiro Henrique Meirelles".
Como ensinam os filólogos, companheiro é aquele com quem se reparte o pão. Se o pão repartido até agora não foi fácil de mastigar, o que será repartido daqui para a frente tende a ser bem mais complicado de comer.
Ao contrário do que se dizia, Meirelles não aspira nem ao cargo de senador nem ao de governador de Goiás. Ele quer mesmo ser candidato a vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff. Durante um bom tempo, o presidente Lula pareceu dar força para que esse projeto se cumprisse. Seria um jeito de repetir a dobradinha proletariado-burguesia que Lula montou com o empresário José Alencar nas duas últimas vezes em que disputou, com sucesso, a Presidência da República. Mas coisas assim não são determinadas por atos de vontade, nem mesmo por insistência dos interessados. São determinadas pelo jogo político cujos ventos ninguém controla, nem mesmo o presidente Lula.
O anúncio de que poderia se apresentar para o jogo político já tirara de Meirelles alguma credibilidade no exercício de seu ofício, que exige distância dos políticos, que adoram gastar. Em todo o caso, não é coisa difícil de recuperar.
No entanto, se permanecer à frente do Banco Central, decisão adiada para hoje, a situação ficará mais complicada. Meirelles terá de enfrentar a disparada da inflação num ambiente de turbulência em que aumentarão as pressões para uma condução mais eleitoreira da política de juros. Essas pressões tendem a aumentar se as pesquisas de intenção de voto confirmarem baixa disposição do eleitorado de conferir a Dilma Rousseff o mandato de presidente da República.
Se a decisão for ficar, Meirelles bem que gostaria de contar com o reforço de garantias do presidente Lula de que terá plena autonomia para fazer o que terá de ser feito para combater a inflação. É claro que Lula nunca deixará de dizer que lhe dará todo e incondicional apoio. Mas o que significa isso?
Assim como não pode contar com a energia política do presidente para a escolha do seu nome como candidato a vice-presidente, Meirelles também não poderá contar com o apoio de Lula, em fim de mandato, para a neutralização das pressões sobre o Banco Central.
O Relatório de Inflação ontem divulgado mostra que os preços não vêm encontrando obstáculos para a escalada. O déficit orçamentário recorde do governo federal revelado em fevereiro mostra que não há lá muita disposição da administração federal de cortar despesas correntes num ano eleitoral. Por outro lado, não se pode desdenhar da disposição do presidente Lula de manter a inflação sob controle. Mais do que ninguém, ele sabe o quanto a inflação pode corroer a vontade do eleitor de votar nos candidatos do governo. Assim, num quadro de crescimento das despesas públicas e de necessidade de conter a inflação, sobrará quase exclusivamente para o Banco Central o serviço mais pesado.
O dia do Fico ou o dia do não Fico do companheiro Meirelles ficou afinal para 1.º de abril. Tomara que a superstição, ou, digamos, o que sobra de simbolismo popular que cerca a data, não interfira na partilha do pão que chega agora à mesa.
O Relatório corrige a ata
Na página 105, o Relatório de Inflação, divulgado ontem pelo Banco Central, muda a redação e evita as contradições em que caiu a ata do Copom divulgada quinta-feira da semana passada.
A ata havia dito que os membros do Copom tinham chegado a um consenso de que os juros teriam de subir. Mas que cinco dos oito diretores optaram pela espera até abril para conferir se o quadro de alta da inflação se confirmaria ou não. Ou seja, ficou admitido que, em se verificando uma conjuntura mais favorável, os juros poderiam não subir.
O Relatório muda os termos.
Não repete que houve consenso em que os juros teriam de subir. Ao contrário, ficou dito que "alguns membros do Comitê (...) defenderam a elevação na taxa Selic já naquele momento". E que então "a maioria (...) entendeu ser mais prudente manter a programação original".
Ou seja, no mínimo, ficou admitido que houve erro de comunicação.