domingo, março 21, 2010

SUELY CALDAS A pobreza em foco


 O Estado de S.Paulo -21/03/10

Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que apenas três programas sociais - Aposentadoria Rural, Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas) e Bolsa-Família - são responsáveis por tirar da miséria e da pobreza 22,5% da população brasileira. Hoje, pobres e indigentes constituem 44,6% dos brasileiros. Sem essa proteção social seriam 67,1%, calculou o Ipea.

Apesar de não avançarem na direção da autonomia financeira do pobre, esses programas têm revelado extraordinária eficácia no combate à miséria e à pobreza. A Aposentadoria Rural entrou em vigor em 1992; o BCP-Loas foi implementado em 1996; e o Bolsa-Família nasceu em 2001 com o nome de Bolsa-Escola. Portanto, são jovens (têm 18, 14 e 9 anos de aplicação), mas recuperaram o atraso de um século de programas inoperantes que enriqueciam o político intermediário e raramente chegavam ao pobre.

Nenhum deles foi criado pelo atual governo. Lula já os encontrou prontos e operando. O que fez foi ampliar o cadastro, aumentar o valor do benefício e mudar o nome para Bolsa-Família. Em 2009 os três aliviaram a vida de 23,2 milhões de brasileiros e suas famílias, alcançando quase metade da população, e custaram aos cofres públicos R$ 58,5 bilhões. Sua eficácia decorre de três fatores que a experiência mundial tem comprovado dar certo: o foco em quem esteja abaixo da linha de pobreza, evitando desperdiçar dinheiro com quem não precisa; a universalização dentro de seu foco, com fácil acessibilidade a comunidades isoladas e recantos distantes; e evita a corrupção: a eliminação da intermediação política, com o cartão magnético, permite ao beneficiário sacar ele próprio o dinheiro no banco e gastá-lo como quiser, o que eleva a autoestima e o senso de cidadania.

A Aposentadoria Rural tem mais amplo alcance e faz a diferença em áreas muito pobres do Norte e Nordeste (NE), onde a economia local é sustentada com o dinheiro do idoso aposentado, considerado arrimo de família e disputado por parentes sem renda.

Segundo o Ministério da Previdência, em 2009 os nove Estados do NE recolheram ao INSS apenas R$ 7 bilhões e dele receberam R$ 47,1 bilhões. No Estado de São Paulo ocorreu o oposto: a relação foi de R$ 75,1 bilhões e R$ 62 bilhões. E considerando só a cidade de São Paulo os números são ainda mais expressivos: o pagamento de benefícios somou R$ 19,1 bilhões, menos da metade da arrecadação (R$ 44,8 bilhões). A Aposentadoria Rural é responsável pela maior parte dessa transferência de renda compulsória para o NE.

No município de Bequimão, no Maranhão, por exemplo, foi zero o faturamento do INSS, mas 3.475 idosos receberam R$ 18.726.611,00. Em Novo Oriente do Piauí (PI) 880 aposentados receberam R$ 4.828.273 sem nada recolher ao INSS. É dinheiro que alivia a pobreza e movimenta a economia local, mas é também transferência de renda indevida, porque todo sistema previdenciário tem por princípio pagar na vida ativa para usufruir na velhice.

Ter despesa e nenhuma receita é o maior defeito da previdência rural. Implementada em 1992, é tipicamente um programa de renda mínima que a Constituinte de 1988 erroneamente incluiu no INSS. Ao contrário do trabalhador urbano, obrigado a pagar a Previdência, do homem do campo nada é exigido, a não ser uma carta do sindicato rural local atestando que ele trabalhou na roça. Essa facilidade na obtenção do benefício tem feito os gastos crescerem ano a ano (em 2009 responderam por R$ 40,3 bilhões dos R$ 42,9 bilhões do déficit da Previdência). O ideal seria tirar a Aposentadoria Rural do orçamento do INSS e transferi-la ao Tesouro, onde estão o BPC-Loas (que também contempla a velhice) e o Bolsa-Família, o único a exigir contrapartida dos pais e aspirar à melhoria social para a criança no futuro. Nenhum deles induz ou estimula a busca da autonomia financeira do pobre. O governo reconhece que algo nessa direção precisa ser feito. Mas não sabe como fazê-lo