O Estado de S. Paulo - 28/03/2010
Ao longo do século passado os programas sociais no Brasil focaram o trabalhador e suas famílias. Seguro-desemprego, salário-família, salário-educação, Previdência Social, saúde do trabalhador, escolas do Sistema S. Muitos foram criados por Getúlio Vargas, outros vieram depois, mas o foco era sempre o trabalhador com carteira assinada.
A população pobre do campo (retratada por Graciliano Ramos em Fabiano e sua família, personagens de Vidas Secas) e os biscateiros urbanos eram excluídos e esquecidos pelos sucessivos governos. Constituíam uma parcela expressiva da população, mas, sem sindicatos e sem organização política para pressionar, gritar e se defender, viviam dispersos e não atraíam o interesse da classe política, nem mesmo em épocas de eleições. Eram vistos como cidadãos de categoria inferior, e aliviar seu sofrimento era associado à ideia da esmola que estimula a indolência e perpetua a pobreza.
No final dos anos 80, esses excluídos já eram maioria no País, haviam-se multiplicado por 10, 20, recebendo os boias-frias do campo e os trabalhadores informais das cidades - estes, empregados em pequenas e médias empresas que alegavam não ter como pagar o custo trabalhista tão elevado. Segundo o IBGE, em 2003 o número de trabalhadores informais - sem direito a férias remuneradas, 13.º salário, previdência e FGTS - já ultrapassava o de formais. Não fazia mais sentido continuar priorizando o trabalhador já assistido em novos programas sociais.
Foi entre os anos 70/80 que a elite intelectual finalmente acordou para um problema tão antigo quanto esquecido: a carência maior da população pobre não é a do trabalho formal, a que ela nem acesso tem. É a educação, o conhecimento, que estruturalmente lhe dará condições e ferramentas para sair da miséria, aspirar a trabalho e a remuneração dignos.
Intelectuais preocupados com o progresso social, como Celso Furtado, privilegiavam o trabalho, não a educação, como meio de distribuir renda e melhorar a vida dos pobres. Hoje reconhecem que o mais poderoso estímulo ao trabalho é o crescimento econômico contínuo, que se tornou possível com o fim da hiperinflação em 1994.
A Aposentadoria Rural e o BPC-Loas (Benefício de Prestação Continuada) já existiam quando o governo FHC criou o programa Bolsa-Escola. Os três - como aqui destacado domingo passado - tiraram da miséria e da pobreza 22,5% da população (42 milhões de brasileiros). Os dois primeiros têm por foco a velhice, enquanto o Bolsa-Escola, rebatizado Bolsa-Família por Lula, prioriza a educação da criança. Aplicado antes em Campinas e em Brasília, foi o primeiro programa de transferência de renda de amplitude nacional a focar a educação.
Quando foi implantado, em 2001, o PT e seu líder, Lula, protestaram e foram contra o Bolsa-Escola, xingado de programa neoliberal, importado do Banco Mundial e concebido por um grupo de economistas neoliberais. Na época o Instituto da Cidadania, ligado ao PT, contrapropôs um projeto de combate à fome e à miséria com um fundo financeiro alimentado por gorjetas pagas em refeições nos restaurantes do País. Ao assumir o governo, Lula ignorou a gorjeta e ficou com o programa neoliberal do Banco Mundial, hoje carro-chefe da campanha para eleger Dilma Rousseff.
Mas ainda há críticos do programa que apontam falhas (algumas procedentes), entre elas a de reproduzir a pobreza por não focar a emancipação financeira do adulto beneficiado. Mas o foco na educação é assim mesmo: o resultado não é imediato, mas é estrutural. Aliás, programas com foco na emancipação, sem passar pela educação, não funcionam. As frentes de trabalho, criadas em regiões pobres do Nordeste, fracassaram e sumiram.
Um menino com 10 anos de idade em 2001 contemplado com o programa é hoje um adulto de 19 anos, apto a trabalhar. O que foi feito dele e de tantos como ele? Não seria o caso de criar um meio de ajudá-lo a conseguir autonomia financeira?