Folha de S. Paulo - 27/03/2010
Elas podem ser vistas, dignas e lindonas, na plateia de colegas mais jovens, e você imagina que estão ali na condição de fãs desprendidas das novas gerações. Mas não é sempre assim. Mais provável que estejam tentando atrair a atenção de um produtor ou de um agente que lhes dê trabalho -o primeiro, talvez, em seis meses ou um ano de silêncio profissional.
No Rio e em São Paulo, dezenas de grandes cantoras do passado vivem hoje os piores momentos de suas carreiras, esquecidas pela mídia e ignoradas pelos produtores. As mais felizes, que conservaram um apartamentinho próprio, estão livres do aluguel, mas o condomínio já tem um ou dois anos de atraso. Muitas se seguram com uma aposentadoria que mal lhes paga a comida e os remédios. O plano de saúde, vitimado pela inadimplência, há muito que foi para o espaço. Algumas estão vivendo de cestas básicas doadas por amigos.
Não se trata de senhoras que, pela idade, já estariam, se quisessem, no Retiro dos Artistas, mas de mulheres vaidosas, ainda com a voz inteira, em perfeitas condições de trabalhar. Acontece de uma delas conseguir, de surpresa, uma noite num clube ou teatro mais privilegiado e não ter dinheiro para ajeitar o cabelo ou recauchutar o velho vestido.
Seus agentes alegam que esse tipo de oportunidade -aparições relâmpago em casas noturnas- é cada vez mais raro. As grandes casas só querem saber de "projetos" ambiciosos, para interessar os suspeitos de sempre, os patrocinadores. E estes, visando imprensa ou retorno, só reconhecem os nomes de hoje, e não se impressionam se Fulana ou Beltrana foi uma estrela, digamos, da bossa nova.
Sim, elas não são contemporâneas de Chiquinha Gonzaga, mas cantoras que, até outro dia, estavam construindo o futuro da música popular. O futuro chegou, e elas não têm vez nele.