FOLHA DE S. PAULO
Sem fonte interna de ignição econômica, mundo rico quer turbinar comércio externo, mas receita não dá para todos
EM FEVEREIRO, a venda de casas novas nos EUA voltou a um nível recorde. De baixa. Está quase 80% abaixo do pico de vendas, em julho de 2005. Também em fevereiro, a venda de casas usadas caiu pelo terceiro mês seguido. O mercado de imóveis residenciais voltou aos níveis deprimidos do segundo trimestre de 2009.
Os entendidos dizem que as vendas de casas novas voltaram a cair no final de 2009 porque muita gente antecipou a compra. Terminaria em novembro um incentivo do governo para quem adquirisse seu primeiro imóvel. O incentivo foi estendido até abril deste ano. As taxas de juros ainda estão abaixo de 5% ao ano. Mas o consumidor não se animou.
Os juros devem subir um tanto depois de abril, quando o banco central dos EUA, o Fed, deixar de refinanciar quem oferece crédito imobiliário (o Fed então terá comprado cerca de US$ 1,25 trilhão em títulos lastreados em pagamentos de prestações imobiliárias, em hipotecas). Há cerca de 11,3 milhões de proprietários de casas que valem menos do que o custo do financiamento do imóvel. São os candidatos a dar calote. Há 5 milhões de famílias em processo de despejo. E daí?
Diz-se, dos EUA, que setores que respondem mais rápido à queda de juros costumam "puxar" a retomada do crescimento (como casas e carros). Numa recessão "normal", devida a uma alta de juros, são os primeiros a tombar. Com juros menores, seriam os primeiros a ressuscitar.
Decerto esta não foi uma recessão normal. Mas os juros americanos estão no chão. Assim como o patrimônio dos americanos, sua esperança de encontrar um emprego e, enfim, sua confiança na economia.
Os empregos podem voltar, dizem os analistas do mercado de trabalho americano. Caiu outra vez o número de demandantes de seguro-desemprego. Mesmo baixando, o número de desempregados dependentes desse auxílio ainda está num nível equivalente ao do pico de outras recessões, as ditas mais normais.
Uma fonte de dinamismo econômico que todos os países do mundo rico têm buscado é o comércio internacional -exportações maiores que importações-, ou ao menos um deficit comercial menor. Mas não vai dar para todo mundo.
Os EUA reclamam da China, que vende muito com sua mão de obra barata e sua moeda artificialmente desvalorizada, política que é mais ou menos adotada por toda a vizinhança chinesa, afora o Japão. Os EUA vão vender mais para quem?
Os americanos não podem esperar muito da Europa. Os superexportadores alemães querem continuar onde sempre estiveram, no pódio dos maiores saldos comerciais do mundo. O euro vem desabando diante do dólar, o que encarece relativamente os produtos americanos.
Em fevereiro, a Comissão Europeia estimou que a eurozona deve crescer apenas 0,7% em 2010.
No relatório não consta, claro, cenário em que países como Grécia ou Portugal acabam no vinagre. Mas boa parte da Europa terá de fazer arrocho fiscal (corte de gasto do governo) e, de par com tal aperto, pretende ajustar suas contas externas bem deficitárias (isto é, vão importar menos). E nós com isso? O cenário parece bem propício para um aumento rápido no nosso deficit comercial.