O Globo - 31/03/2010
O Banco Central pode passar a ter hoje uma diretoria inteiramente formada por funcionários de carreira. O diretor de Política Econômica, Mário Mesquita, vai sair do cargo, e uma das possibilidades é que o anúncio seja feito hoje durante a divulgação do Relatório de Inflação. Se Henrique Meirelles também deixar o posto, o BC ficaria sem qualquer economista que tenha passado pelo mercado.
Meirelles tem dado sinais de que pretende sim deixar o Banco Central para tentar voltar à carreira política.
Sua saída fecha um dos mais importantes ciclos do Banco. É o presidente que mais tempo permaneceu no cargo desde a criação do BC, em 31 de dezembro de 1964. Um dos nomes mais cotados para assumir é Alexandre Tombini, hoje diretor de Normas do Banco Central. Tombini tem uma carreira diversificada, já serviu a outros órgãos da área econômica, várias diretorias, e é doutor em economia pela Universidade de Illinois. Tem fama de ser mais brando em política monetária: — Digamos que ele é o último a votar pelo aumento da taxa, e vota com alegria pela redução — disse um ex-diretor.
Na estrutura hoje do Banco Central, a diretoria de Política Econômica, onde está Mário Mesquita, é a mais importante porque determina muito da tendência do Copom. Mas Mário já comentou com vários amigos que deixará o BC encerrando um período de três anos e nove meses.
Meirelles foi a escolha inesperada. Deputado eleito pelo PSDB, acabou sendo convidado em dezembro de 2002 para assumir o Banco Central pelo presidente Lula.
Perguntou se teria autonomia.
Lula disse que sim.
E cumpriu o que foi dito.
Mas não foi simples. Houve vários momentos de extrema tensão. Meirelles assumiu com uma diretoria fortemente marcada por pessoas de mercado ou economistas sem qualquer vinculação com o PT. E logo na primeira reunião da era Lula, subiu os juros. Na segunda reunião, também subiu. As taxas foram para 26,5%.
Quando foi lançado o PAC em 2007, o BC estava reduzindo os juros, e mesmo assim interrompeu o processo por temer uma elevação da inflação. As críticas ao BC foram públicas de vários integrantes do governo.
Mesmo assim, ele teve força e influência para manter a política de metas de inflação e as decisões tomadas de forma autônoma pelo Banco Central.
O que acontecerá com uma diretoria inteiramente de funcionários de carreira? Eles podem ser mais sensíveis às pressões do próprio governo contra os juros altos. O problema é que a ata do Copom e o Relatório de Inflação que vai ser divulgado hoje estão mostrando que é necessário começar um ciclo de aperto na política monetária.
É um momento complexo para essa mudança no Banco Central, porque ela ocorre quando está prestes a começar esse período de elevação de taxa de juros.
Além disso, ocorre logo depois de uma ata do Copom que foi muito criticada exatamente por ser contraditória e mostrar um momento de confusão na diretoria.
Talvez hoje o Relatório de Inflação explique os pontos obscuros da ata.
Há quem considere que esse problema não se coloca mais porque o regime de metas de inflação já é bem sucedido. E que, por serem funcionários de carreira do BC, eles não se deixariam pressionar por um governo que está chegando ao fim. O diretor de Política Monetária, Aldo Luis Mendes, não é do BC, mas é de carreira do Banco do Brasil. Essa é uma análise otimista. Mas imagine uma diretoria toda de funcionários de carreira tendo que contrariar o ministro da Fazenda e convencer o presidente da República de que é preciso elevar os juros? Henrique Meirelles não conta, mas se sabe que não foram poucas as vezes em que ele teve que entrar em bola dividida no governo.
Mesmo assim, superou qualquer antecessor em tempo de permanência na presidência do Banco Central.
Depois de assumir o BC, Meirelles teve um bom desempenho no cumprimento das metas de inflação.
No final do governo Fernando Henrique, com a disparada do dólar e os temores da incerteza da sucessão, a inflação subiu.
Em 2003, houve o descumprimento da meta. Ela era de 4% com banda de 2,5%. O Banco Central elevou para 8,8%. Ainda assim, o IPCA foi maior: 9,3%. De qualquer maneira, foi um bom desempenho ter ficado em um dígito.
Em 2004, o índice fechou em 7,6%, mas a meta para o ano havia subido para 5,5%, com limite de tolerância de 2,5 pontos percentuais. No ano seguinte, o índice fechou em 5,69%; e apenas em 2006, no último ano do primeiro mandato de Lula, a inflação ficou abaixo do centro de 4,5%, terminando em 3,14%. No segundo mandato, ele cumpriu a meta, mesmo quando ela ficou acima do centro como em 2008, que ficou em 5,8%.
Mesmo assim, o país teve taxas boas de crescimento, principalmente em 2007 e 2008.
Durante a campanha eleitoral de 2002, o PT prometia uma diretoria do Banco Central só de burocratas.
Pode conseguir isso hoje.