O Globo - 26/03/2010
Os juros vão subir na próxima reunião do Banco Central. A ata divulgada ontem diz que houve consenso sobre a necessidade de aumento. O texto não deixa claro por que eles não subiram, nesta que pode ter sido a última reunião comandada por Henrique Meirelles. A dúvida agora é sobre o ritmo do aperto. Ele poderia ser menor se o governo ajudasse cortando gastos.
A avaliação dos economistas que leram o documento foi a de que ele foi escrito pelos três "derrotados" na última reunião, porque, em vez de explicar a razão de não subir os juros, o texto diz o tempo todo que houve concordância sobre a necessidade de alta. Isso contradiz o resultado final da reunião: 5 a 3 a favor da manutenção.
"Houve consenso entre os membros do Comitê quanto à necessidade de se implementar um ajuste na taxa básica de juros, de forma a conter o descompasso entre o ritmo de expansão da demanda doméstica e a capacidade produtiva da economia, bem como para reforçar a ancoragem das expectativas de inflação", diz o parágrafo 26.
Para Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central, atualmente na Confederação Nacional do Comércio (CNC), o texto é paradoxal e não justifica de forma convincente a manutenção dos juros em 8,75%: — O texto diz que houve consenso para a elevação, mas também afirma que é preciso esperar mais um tempo. Mas um período de 45 dias (até a próxima reunião) não é praticamente nada diante de uma guinada na política monetária.
Depois de ler ata, o economistachefe da Ativa Corretora, Arthur Carvalho, acha que a decisão não foi técnica.
— Claramente a decisão não foi técnica porque o texto contradiz o resultado da reunião. O Copom diz que o cenário de inflação em 2010 e 2011 está sensivelmente acima da meta.
Isso significa que o patamar atual de juros é incompatível com esse cenário. Tecnicamente, não há lógica para esperar pela alta da Selic — afirmou.
A economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, diz que a única explicação para se adiar o aumento dos juros seria uma possível saída de Henrique Meirelles da presidência do Banco Central: — O Banco Central fala de consenso em subir juros, mas ao mesmo tempo diz que prefere esperar mais um pouco para ver os efeitos do aumento dos compulsórios.
Isso não é suficiente. A única explicação que vejo é uma possível saída do Meirelles e uma vontade de iniciar o ciclo com o novo diretor, legitimando seu compromisso em combater a inflação — disse Mônica.
Esta também é a avaliação do professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio: — Foi uma ata estranha. E sabendo-se que na próxima reunião é possível que ocorram mudanças na diretoria do Banco Central, isso traz uma certa preocupação.
Para José Júlio Senna, da MCM Consultores, a ata reforça a ideia de que o Banco Central só muda a política monetária depois de duas sinalizações explícitas ao mercado. Foi assim em 2007, quando parou de reduzir os juros; em 2008, quando elevou as taxas; e em 2009, quando voltou a cortar. Mesmo ficando dentro do padrão, ele faz reparos à forma do texto.
— A ideia de sinalizar ao mercado o passo da política monetária tem o objetivo de dar mais transparência. Nesse sentido, o texto não é bem escrito porque não é compatível com essa intenção.
Ele conclui que é necessário subir juros, mas diz que é melhor esperar. Isso não faz sentido — explicou.
No texto, o Banco Central diz que a economia brasileira deixou de estar em recuperação para entrar em processo de expansão. Dessa forma, a ocupação da capacidade ociosa já estaria no fim, e isso reforça as preocupações com a inflação.
O texto de ontem trouxe mais dúvidas sobre o ritmo de aperto da Selic, que hoje está em 8,75%. No mercado de juros futuros, a leitura era de que havia 50% de chances de um aperto de meio ponto na próxima reunião, e 50% de uma alta maior, de 0,75%.
— A alta em abril está dada, o ritmo ainda está em aberto — disse Luis Otávio Leal, do Banco ABC Brasil.
O BC também admite que está preocupado com a política fiscal e com a expansão da carteira de crédito dos bancos públicos. Duas influências que podem fazer com que os juros fiquem mais altos.
— Há um claro descompasso entre as políticas fiscal e monetária. Além disso, a carteira de crédito dos bancos públicos responde menos à elevação da Selic porque há muito crédito subsidiado.
Tudo isso pode fazer com que o Banco Central seja obrigado a fazer um ajuste ainda maior nos juros, para compensar. Mais uma vez, a tarefa de combater a inflação recai exclusivamente sobre o Banco Central — disse Monica de Bolle.
Na próxima semana, Henrique Meirelles terá que decidir se fica no Banco Central até o fim do mandato, ou se retoma sua carreira política.
Se ele sair, a pressão para o BC não aumentar os juros vai ficar mais forte dentro do governo. Quem assumir agora tem pouca margem de recuo depois desta ata. É subir ou ser acusado de tomar decisão por razões políticas.
Talvez esse curto-circuito é que tenha produzido uma ata assim meio estranha: que justifica a alta dos juros, mas a adia.