O Globo - 23/03/2010
Foi uma vitória histórica, embora Obama não tenha conseguido nem aprovar o projeto original de reforma do sistema de saúde, que era muito mais abrangente, e nem uma colaboração do Partido Republicano para a aprovação com votação suprapartidária.
Não teve um mísero voto republicano, diferentemente das medidas econômicas para combater a crise, que contaram com o apoio de um ou outro republicano.
Mas conseguiu pelo menos a unidade do Partido Democrata para aprovar uma reforma que está em pauta há cerca de 50 anos.
A última derrota foi em cima da atual secretária de Estado, Hillary Clinton, que assumiu a tarefa de aprovar a reforma da saúde no governo do marido, Bill Clinton, e não obteve sucesso.
Não foi por acaso, portanto, que ela, depois de derrotada nas prévias do Partido Democrata, ao aderir à candidatura Obama deixou seu recado afirmando que não via a hora de assistir à cerimônia na Casa Branca de assinatura do programa que amplia a todos os cidadãos os serviços de saúde pública, base de sua campanha, um compromisso que fez seu adversário vitorioso assumir.
Foi uma vitória política importante para o presidente americano, num momento em que ele está com o prestígio político decadente devido principalmente às consequências da crise financeira de fins de 2008.
Paradoxalmente, a crise que reforçou sua candidatura presidencial, tendo tido papel fundamental na eleição, hoje mina seu prestígio junto aos eleitores e lhe rende prejuízos na popularidade, especialmente pelo desemprego que continua alto, confirmando a previsão mais pessimista de que a perda de empregos continuaria alta até este ano de 2010, saindo de 7,5% para chegar à casa dos 10%.
O pequeno recuo verificado em janeiro, para 9,7%, foi considerado uma boa notícia, mas nada indica que o índice de desemprego recue substancialmente nos próximos meses.
Embora nada parecido com a crise de 1929, que colocou 25% da força de trabalho no olho da rua, um índice de desemprego de dois dígitos é um número assustadoramente alto para os Estados Unidos, e vem roubando índices de aprovação de Obama, que hoje tem mais gente contra do que a favor de seu governo.
O governo Obama terá também uma disputa judicial importante pela frente, pois alguns estados e muitas organizações civis estão acusando a reforma de inconstitucional.
O país continua dividido em torno da reforma, e, além dos aspectos individuais, há uma questão coletiva de importância, o aumento do déficit público, já imenso devido às dívidas que o Estado teve que assumir para tentar controlar a crise financeira.
O presidente Barack Obama precisava vencer politicamente essa batalha do plano de saúde no Congresso para ganhar fôlego para enfrentar a batalha da opinião pública, cujo primeiro teste serão as eleições de meio de ano, quando tradicionalmente os governos ou perdem a maioria no Congresso ou reduzem sua vantagem.
Seu plano de governo está baseado em um tripé, no qual a melhora nos sistemas de saúde e seguridade social tem papel primordial.
Não apenas porque ela é necessária no momento em que o desemprego está alto, mas também pelo espírito de solidariedade que ela embute.
Os outros dois suportes são a renovação da infraestrutura do país, com a modernização dos serviços públicos e a implantação de um sistema moderno de telecomunicação; e a indústria baseada nas energias renováveis, limpa e verde.
São conceitos modernos de gestão pública que mudam a maneira de viver do americano médio, tanto na redução do consumo do petróleo quanto na solidariedade social.
É importante fixar na sociedade americana esse conceito de solidariedade, desde a utilização de automóveis e combustíveis menos poluentes até a cobertura de saúde para todos, a necessidade de as pessoas deixarem seu individualismo de lado para preservar o meio ambiente ou apoiar os mais necessitados.
Houve um momento durante as negociações para a aprovação do plano na Câmara em que o presidente Obama pensou em desistir, segundo um relato do "The New York Times".
A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, foi quem o manteve na disputa, não apenas dando-lhe o suporte necessário para a luta política dentro do próprio Partido Democrata, quanto cobrando dele o engajamento que ela e outros líderes da legenda estavam tendo.
Os congressistas aprovaram o projeto de lei que já havia passado pelo Senado com uma votação apertada, de 219 deputados favoráveis e 212 contrários, justamente o tamanho da maioria governamental.
Como em seguida aprovaram modificações (220-211), o assunto voltará para ser votado no Senado durante esta semana, antes de ser promulgado por Obama.
A reforma, do jeito que foi aprovada, eleva a 95% o índice de cidadãos americanos com menos de 65 anos com plano de saúde privado.
A importância da votação fez o presidente americano adiar uma viagem pela Ásia para obter os apoios necessários para a aprovação do projeto de reforma.
O governo agora começará uma ampla campanha de relações públicas para tentar mudar a percepção dos americanos sobre o novo programa de saúde.
É uma mudança de comportamento que ainda não está assimilada pela maioria da sociedade, e gera muitos protestos. Na noite da vitória na Câmara, o presidente Barack Obama fez um discurso em que classificou a votação como tendo "a cara da mudança".
Ele colocou a aprovação das novas regras para a saúde como sendo uma resposta da classe política "ao chamado da História", afirmando que em vez de temer pelo futuro, "demos forma a ele".
A mudança proposta na campanha de Obama começou a dar frutos. Agora, ele tem que convencer a maioria dos cidadãos de que este é o caminho certo