O Estado de S. Paulo - 27/03/2010
Nas eleições de 2002 o deputado federal Valdemar Costa Neto (PL) obtivera 45.738 votos em seu grande reduto eleitoral, Mogi das Cruzes, mas nas eleições de 2006 lá só obteve 9.654 votos, com o que não teria sido reeleito. Nas eleições de 2002 o deputado federal João Paulo Cunha (PT) obtivera 87.912 votos em seu grande reduto eleitoral, Osasco, mas nas eleições de 2006 lá só obteve 49.082 votos, com o que não teria sido reeleito. Nas eleições de 1998, o deputado federal Antônio Palocci Filho (PT) obtivera 83.279 votos em seu grande reduto eleitoral, Ribeirão Preto, mas nas eleições de 2006 lá só obteve 16.187 votos, com o que não teria sido reeleito. Sem importar as razões que levaram eleitores a repudiar políticos de sua região que haviam consagrado nas urnas - e sem entrar no mérito da questão do mensalão ou da do caseiro Francenildo Costa -, esses são apenas três exemplos emblemáticos do rigor da cobrança dos eleitores quando conhecem de perto os seus representantes. Acontece que, segundo pesquisas, 70% dos eleitores não se lembram em quem votaram depois de quatro anos - e dos 30% restantes, mais da metade alega ter votado em quem nem sequer foi candidato.
O sistema eleitoral brasileiro se livraria de seus maiores vícios e se aproximaria do que tem dado certo nas boas democracias se nossa sociedade entendesse que duro é escapar dos vizinhos - ou que é mais fácil enganar longe de casa. Se assim entendesse, cobraria da classe política uma reforma urgente, que aproximasse o povo de seus representantes. Pois é isso que se faz, há muito tempo, nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França, entre outras democracias de boa qualidade que adotam o sistema do voto distrital puro - ou de eleições majoritárias para o Legislativo.
O argumento mais surrado contra o voto distrital, aquele segundo o qual esse sistema transformaria o Legislativo federal numa espécie de câmara de vereadores, a tratar apenas dos interesses paroquiais de seus integrantes, não passa de uma preconceituosa falácia. É claro que os cidadãos precisam dos mais diversos serviços públicos em sua rua e em seu bairro, mas precisarão tanto quanto ou mais da eficácia das normas e da atuação dos Poderes em campos de influência mais abrangente em sua vida, tais como os da educação, da economia, da produção, da geração de empregos, do meio ambiente, da segurança pública, da cultura e outros que extrapolam o âmbito regional. E aí há pontos em comum entre quaisquer representantes "paroquiais" que atuem na esfera legislativa federal.
A rigor, os interesses particularizados numa Casa legislativa não resultarão em coisa alguma (além dos nacos orçamentários) pela mixórdia da diversidade, a não ser que se chegue aos temas e propostas de interesse geral, em beneficio de cidadãos de quaisquer regiões. Pensar que numa democracia os eleitos por um distrito só se ocuparão dele é não saber que Winston Churchill se elegia pelo voto distrital. Por outro lado, são esses interesses comuns à cidadania que retiram a exclusividade da representação das corporações e dos lobbies, como hoje ocorre nas Casas legislativas brasileiras, em que o cidadão comum, pertença a que região ou município for, não terá um parlamentar que o represente, pelo menos com a mesma fidelidade com que são representadas as entidades corporativas.
É verdade que mesmo nas eleições proporcionais vigentes no Brasil, para os Legislativos de todas as esferas, já vigora uma espécie de voto distrital informal. Mas, do jeito que é, permanecem os maiores vícios da eleição proporcional: seu altíssimo custo, pela necessidade de o candidato se deslocar por vasto território para captar votos e por ter de enfrentar um número enorme de concorrentes - especialmente os do próprio partido, num processo de antropofagia eleitoral interna que só desgasta, enfraquece e desmoraliza as legendas partidárias; a violenta distorção da vontade do eleitor, que pode votar num candidato que aprecia e eleger outro que detesta, pela sobra ou transferência de votos nas legendas e coalizões; a influência exacerbada do poder econômico, na razão direta do alto custo eleitoral.
Tramitam no Congresso Nacional alguns projetos de reforma eleitoral com a introdução do voto distrital, entre os quais um dos mais interessantes e bem elaborados é a proposta de emenda constitucional (PEC 585/2006) do deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) instituindo o voto distrital majoritário para a eleição de deputados federais, estaduais, distritais e vereadores. Em sua exposição de motivos, o deputado observa que as capitais, grandes cidades e regiões metropolitanas estão sub-representadas na Câmara dos Deputados. Menciona um estudo de 2006 revelando que as capitais têm 23% dos eleitores e elegeram apenas 13% dos deputados - e, naquele ano, 72 das cem maiores cidades do País não conseguiram eleger um único representante. Pela proposta, a Justiça Eleitoral dividiria cada unidade da Federação em distritos, em número igual ao de sua representação - ou seja, de acordo com o número de cadeiras que cada unidade tenha na Câmara dos Deputados. Nessa divisão seriam obedecidos, tanto quanto possível, os critérios de igualdade populacional, de contiguidade de área e integridade municipal, assim como os de integração geoeconômica e interligação viária dos municípios que integram o distrito.
Claro está que nenhum sistema eleitoral, por si só, haverá de recuperar a decência na vida púbica brasileira. Mas o que contribuir para facilitar a cobrança mais rigorosa da sociedade, em relação a seus representantes no poder, nos fará trilhar o melhor caminho - que é o já experimentado pelas democracias civilizadas.