O Estado de S.Paulo - 21 de março de 2010
Na arte dramática geralmente é assim: um ator sai de cena quando a idade lhe rouba o brilho de grandes interpretações. O velho artista já não tem forças para resistir à dura labuta dos exercícios que enlevam plateias e elevam a arte da representação. Na arte política, o ator geralmente sai de cena quando apupado pela plateia ou flagrado em peças desonestas. São raros os casos em que o ator é consumido pelos rigores do tempo. No mais das vezes, o abandono do palco é imposto por circunstâncias, muitas originadas na conduta do próprio ator. Na era do Estado-espetáculo, o artista da representação política tem vida curta. A mesma gangorra que o faz subir aos píncaros da fama o faz desmoronar. Num átimo de segundo as luzes se apagam e a fosforescência vira breu. José Roberto Arruda, ex-governador do Distrito Federal, há pouco considerado o melhor perfil para compor como vice a chapa de José Serra, que o diga.
A ascensão e a queda dos políticos, porém, não têm como motivo apenas fatores de ordem pessoal. A evolução do conceito de política, ao longo dos séculos, tem contribuído para mudar valores.
De ciência mais suprema na era aristotélica, cuja finalidade era buscar a felicidade coletiva por meio das instituições do Estado, a política, nos tempos modernos, virou empreendimento. Sua tarefa missionária cedeu lugar à ação corporativa.
O motivo?
Núcleos e células especializadas tomam o lugar da sociedade de massas. O conceito de bem comum é repartido entre compartimentos, classes sociais e categorias profissionais. Cada uma com demandas específicas e, não raro, com posicionamentos díspares sobre temáticas globais. Nesse palco atuam os atores da nova política. Seu ideário é recheado de termos como pragmatismo, perdas e ganhos. De missionários a serviço da felicidade coletiva vestem o figurino de advogados de partes da sociedade. Não se quer dizer que a nova representação seja ociosa ou inócua. A nova classe se empenha para satisfazer demandas de grupamentos sob sua representação. Mas o desempenho do papel é árduo. Primeiro, porque o custo para galgar à representação é alto, principalmente num país de cultura patrimonialista, com o carimbo do "toma-lá-dá-cá". Segundo, porque a alta competitividade exige que o pleiteante a cargo político saia a campo com bala para vencer a guerra.
Sob esse parâmetro, é de supor que muitos atores pensem em abandonar o teatro. Sob a convicção de que a política perdeu o antigo encanto. São raros, porém, os que tomam decisão nesse sentido. (Um bom tanto ainda enxerga na atividade escada para subir na vida.)
Na última semana, dois casos chamaram a atenção: as decisões dos deputados Roberto Magalhães (DEM-PE) e José Eduardo Martins Cardozo (PT-SP). Ao decidirem dar as costas ao Parlamento, depositam uma bandeja de perguntas sobre a mesa da política. Que razões levam dois deputados do chamado alto clero a mandar às favas a esfera parlamentar? Por que um integrante da cúpula do partido que comanda o poder desiste da vida congressual? Por que um ex-governador de Estado se diz "desestimulado" a permanecer na vida pública?
Um estudo publicado pela pesquisadora Renata Florentino na Revista de Sociologia e Política, há alguns anos, alinha algumas hipóteses: envolvimento em escândalos; partidos débeis; falta de recursos para bancar campanhas cada vez mais disputadas e caras; pessoas em idade avançada, que cedem lugar a sucessores; políticos de primeiro mandato que não gostaram da experiência; participação em grupos que esgotaram sua influência no jogo político; suplentes sem votos e com tênue experiência política; empreendedores do campo privado que voltam aos negócios; mais tempo para se dedicar à família.
Das motivações acima, apenas a questão dos recursos poderia ser significativa, pela referência que o deputado paulista fez na carta aos eleitores em que diz não se sentir "confortável em disputas decididas cada vez mais por recursos financeiros". O dirigente de um partido forte e gordo, vale dizer, não teria dificuldade de angariar recursos para uma tranquila reeleição. Portanto, o desabafo deve ser entendido como crítica à forma atravessada de fazer política. O mesmo se pode dizer da frustração manifestada por Magalhães, ao denunciar que "o Brasil caminha para se transformar no país do partido único, o partido do poder". Os argumentos, evidentemente, merecem aplausos. A política mercantilizada, sob patrocínio do absolutismo do partido único, ameaça a saúde da democracia.
Algo, porém, parece destoante. A desistência do parlamentar paulista se dá no momento de mais uma bateria de críticas sobre o seu partido. Nem bem o "Arrudagate", que resvala sobre o DEM, sai das manchetes, emerge mais um foco de incêndio sobre o PT: a denúncia de desvios na Bancoop - a Cooperativa Habitacional dos Bancários - e em fundos de pensão. Com seu gesto pretende mostrar desconforto com a onda de eventos negativos que assola a fisionomia partidária? Como pode justificar a saída da vida parlamentar e a permanência na vida política? Receio de que atitude mais radical poderia prejudicar a candidata Dilma Rousseff? Colecionador de utopias e sonhos, como se diz, conseguirá lutar por eles fora da maior trincheira, que é a Câmara dos Deputados?
Quanto ao ex-governador pernambucano, é possível que o afastamento da vida pública, além de pouca munição para enfrentar o confronto regional, tenha como razão maior a crise que sufoca o DEM.
Ao darem adeus à vida no Parlamento, os dois deputados dão sinais de que há muito desconforto, frustração e decepção sob as cúpulas do Congresso Nacional. Nunca foi tão necessário fazer a tão propalada reforma política.