O Estado de S.Paulo - 19/03/2010
Governo, quando quer e se empenha, ganha sempre ou perde por pouco. Quando perde de lavada, como aconteceu com a emenda que redistribui os royalties do petróleo (369 a 72), significa que não quis o bastante nem se empenhou o suficiente.
É esta a exata impressão que tem o governo do Rio de Janeiro, que foi dormir confiante da promessa feita pelo presidente Luiz Inácio da Silva ? " deixa comigo, Serginho" ? e acordou com a possibilidade de perder 70% das receitas do Estado.
O governador Sérgio Cabral não brigará com Lula por causa disso. Mas pode ser que, dependendo ao andar da carruagem, se torne eleitoralmente inviável para ele festejar excessivamente a candidatura presidencial de Dilma Rousseff no Rio.
Oficialmente, governador e adjacências acreditam na justificativa de que o Congresso é soberano e na promessa do veto presidencial à emenda Ibsen Pinheiro.
Na vida real ficou com a sensação de que lhe retiraram a escada e Cabral ficou pendurado no pincel. Lula conseguiu o que lhe interessava, mudança do modelo de concessão para partilha e criação de nova estatal, deixando o Rio entregue à falta de articulação.
Se a situação de Cabral é constrangedora, a de Lula pode ficar desconfortável no terceiro colégio eleitoral do País, sendo que o primeiro e o segundo (São Paulo e Minas) estão nas mãos da oposição. No Palácio Guanabara não foi bem visto o telefonema dado pelo chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, depois da votação para garantir que Lula vetará a emenda.
Um gesto mais bem recebido, correspondente à fidelidade que Cabral dedica a Lula, teria sido uma ligação pessoal do presidente, propondo algo a mais que o veto presumido.
Se a Câmara deu votos para aprovar a emenda, pode perfeitamente dar votos para derrubar o veto.
Hoje o governo do Rio gostaria que o Palácio do Planalto fizesse duas coisas: retirasse a urgência constitucional para a votação do ponto relativo à partilha dos royalties e trabalhasse pelo adiamento da votação no Senado para depois das eleições.
Agora não há clima para se discutir nem negociar nada com racionalidade.
A pedido do governador Sérgio Cabral, o senador Francisco Dornelles entrou no jogo com a missão de desarmar a bomba por enquanto.
Articula-se também com o presidente do Senado, José Sarney, a procrastinação da entrada do assunto em pauta.
Lula até agora não deu sinal algum de que fará algo além da promessa do veto. Ao contrário.
Ontem mesmo disse que esse tema é "problema do Congresso".
O risco de o eleitorado se voltar contra o governador Sérgio Cabral, por ter se fiado só na palavra do presidente, é grande.
Na proporção direta da tentativa de neutralizar o potencial malefício mobilizando a população "em defesa do Rio". Saiu na frente, antes que na oposição atribua a ele a responsabilidade de ter levado o assunto para o campo da amizade com Lula.
Antes que o eleitorado perceba que a emenda Ibsen Pinheiro só prosperou porque o governador e o presidente permitiram.
Ibsen é do PMDB, o maior parceiro do governo federal. Henrique Eduardo Alves, que incluiu como relator a emenda na proposta final da alteração da mudança nas regras de exploração do petróleo, é líder do PMDB na Câmara.
Ao PMDB pertence o governador Sérgio Cabral.
Ninguém viu o que se passava, ninguém falou com ninguém.
Haverá consequências político-eleitorais?
Depende. Se o eleitorado fluminense continuar fazendo o gaúcho Ibsen de Judas, o governador seguirá no papel de herói.
Mas se a percepção se apurar ao ponto de as pessoas enxergarem a existência de um erro de origem que foi deixado prosperar, Lula, Cabral e Dilma podem se tornar os vilões da execução de um plano que abriu espaço para a emenda que arruína o Rio.