Folha de S. Paulo - 31/03/2010
A revalorização do yuan seria um presente para o Brasil, pois mitigaria bastante a pressão sobre o balanço de pagamentos
PARA QUEM acha que o debate sobre taxa de câmbio no Brasil é agressivo, a versão chinesa é, no mínimo, selvagem. Há pressões americanas pela revalorização do yuan, e mesmo autoridades chinesas, preocupadas com os riscos crescentes de inflação, parecem considerar de forma cada vez mais concreta a conveniência de retomar a trajetória de apreciação contínua que prevaleceu entre 2005 e 2008.
Aliás, se não fosse a atitude americana, minha impressão é que a China estaria realmente muito próxima de alterar sua política (não seu regime) cambial, permitindo a apreciação da sua moeda.
Se isso for verdade, quais seriam as implicações para o Brasil? Apesar do peso maior da China em nosso comércio internacional (destino de 13% de nossas exportações), acredito que o canal mais importante de transmissão de uma eventual apreciação do yuan se daria por meio dos preços de commodities e, portanto, dos termos de troca.
Para entender esse processo, considere o seguinte exemplo. Imagine que haja só dois países no mundo, China e Resto, comercializando entre si uma commodity (petróleo). Há também duas moedas, o yuan (CNY) e o dólar (USD), trocados a uma taxa fixa de dois yuan por dólar. O preço do petróleo corresponde a USD 100/barril, ou seja, CNY 200/ barril na China, e presumimos que, a esse preço, tanto a demanda chinesa quanto a do Resto sejam plenamente satisfeitas.
Suponha agora que a taxa de câmbio se altere, de modo que a moeda chinesa se valorize e seja necessário apenas 1,5 yuan para adquirir um dólar. Caso o preço do petróleo continue a USD 100/barril, o preço na China cairia para CNY 150/barril, mas um pouco de reflexão sugere que essa situação não seria estável. De fato, a CNY 150/barril, a quantidade demandada na China teria que aumentar, pois o petróleo ficou mais barato para o consumidor chinês. Por outro lado, com o preço em dólares a USD 100/barril, não há redução na quantidade demandada pelos consumidores de Resto, o que configuraria uma situação de excesso de demanda por petróleo.
Diante do excesso de demanda, o preço do petróleo em dólares teria que subir, digamos para USD 120/ barril, reduzindo a quantidade demandada pelo Resto (bem como a quantidade demandada na China sob a nova taxa de câmbio, que, ainda assim, permaneceria acima da quantidade demandada antes da mudança cambial), reequilibrando o mercado internacional.
O exemplo é, obviamente, muito simplificado, mas captura parte essencial do processo, qual seja, que a apreciação da moeda chinesa tende a elevar os preços em dólar de commodities. A bem da verdade, a evidência empírica sugere que o enfraquecimento do dólar (fortalecimento do yuan) é fortemente associado a preços de commodities (em dólares) mais elevados.
O Brasil, como exportador de commodities, naturalmente se beneficiaria de um aumento de seu preço em dólares. É claro que o país também as importa, mas, no balanço geral, observamos que preços mais altos de commodities se traduzem em melhora de termos de troca para o Brasil, isto é, o preço dos produtos exportados tende a crescer relativamente ao preço dos bens importados, permitindo que cada unidade exportada compre mais importações.
Num contexto de demanda doméstica crescendo mais rápido que o produto (10% ao ano ante 7% ao ano nos últimos três trimestres), pois, a revalorização do yuan seria um presente para o país. Não resolveria (como no passado não resolveu) o descompasso entre demanda e oferta domésticas, mas mitigaria bastante a pressão sobre o balanço de pagamentos.