O GLOBO - 25/02/2010
O Irã é hoje, sem dúvida, a maior ameaça à paz e à segurança do mundo. Seu programa nuclear avança velozmente, sendo composto por milhares de centrifugadoras enriquecendo urânio a um nível de concentração que já atingiu os 4% necessários para gerar eletricidade.
Seu presidente já afirmou que foi também atingido o nível de 20%.
Dizem os cientistas que é mais difícil chegar a 20% do que aos 90% necessários para confeccionar uma bomba atômica. Não se sabe se é verdade ou bazófia, mas há indicações de que assim é. Em outras palavras, o Irã está próximo do limite da capacidade nuclear.
As negociações diplomáticas para evitar este desfecho gravíssimo avançam lentamente, porém, seja porque o Irã negaceia, seja porque a pressão não é suficientemente contundente. As sanções econômicas que são ventiladas hoje geralmente não funcionam. É também sempre difícil trazer a China, potência com veto no Conselho de Segurança, a concordar com sanções.
Medidas que realmente atinjam interesses iranianos fundamentais — tais como bloqueio de seus depósitos financeiros internacionais ou compra de tecnologias sensíveis — são particularmente difíceis de reunir apoio suficiente para serem implementadas. De todo modo, o efeito de eventuais sanções é difícil de prever, já que, por vezes, não surtem o efeito desejado, e acabam reforçando o sentimento nacionalista e a coesão em torno do governo de que são objeto.
Nas ruas de Teerã e de outras grandes cidades, há uma contestação crescente do regime que se parece cada vez mais com os estados autoritários tradicionais, ou seja, ditaduras nas quais o aparelho de segurança controla o Estado e a maior parte da vida pública.
Na América Latina, já vimos este filme muitas vezes. À medida que a contestação popular aumenta, o resultado é um impasse, que não repercute sobre o progresso iraniano rumo ao armamento atômico.
O cronômetro está avançando nos três tabuleiros acima referidos e, se o caminho do armamento nuclear for o mais rápido, é possível que a Europa, os Estados Unidos e Israel sejam forçados a um dilema terrível, uma verdadeira escolha de Sofia : aceitar um Irã nuclear ou atacá-lo para evitar que ocorra este desfecho. Qualquer das duas alternativas seria nefasta. Um ataque, além de militarmente difícil e incerto, semearia o caos total no Oriente Médio, onde já não faltam tensões e impasses.
A arma nuclear daria ao Irã uma espada de Dâmocles sobre a cabeça de Israel, que seria compreensivelmente intolerável para um povo que já sofreu o que sofreu.
À medida que este quadro se torna mais grave, a posição brasileira de aproximação com o regime de Ahmadinejad torna-se cada vez mais incompreensível.
Não se trata de "não curvar-se aos desígnios das grandes potências", como argumentam os porta-vozes do governo.
Consiste em cometer um gesto gratuito, cujo preço é incomparavelmente maior do que qualquer possível retorno comercial ou político.
É errado apoiar um regime que reprime brutalmente nas ruas uma oposição desarmada. Essa política provoca um risco de contágio ao programa nuclear brasileiro, que é respeitado por todos os com promissos que assumimos nos últimos vinte e dois anos de renúncia às armas nucleares.
Não há dúvida que o Brasil tem um programa nuclear exclusivamente pacífico e é considerado internacionalmente como um país sério e sem ambiguidades neste terreno.
A nova intimidade com o Irã cria suspeitas -infundadas, por certo, mas difíceis de desmentir, dado o tom de algumas declarações oficiais de apoio a Teerã — que em nada atendem aos nossos interesses e só podem criar dificuldade de toda ordem para nós.
Em matéria de tal gravidade, à medida que o quadro diplomático e militar se deteriora, persistir nessa linha e, por exemplo, visitar o inefável Ahmadinejad em Teerã só pode trazer-nos prejuízos materiais e políticos incalculáveis, e completamente desnecessários.
Como dizia o grande ministro Antonio Azeredo da Silveira, com seu humor incomparável, apoiar o Irã é atravessar para pisar de propósito em casca de banana na outra calçada.
Ainda é tempo para o governo brasileiro refletir melhor e, discretamente, para não ser forçado a admitir a extensão do equívoco, deixar de atravessar a rua.
LUIZ FELIPE LAMPREIA foi ministro das Relações Exteriores(1995-2001).