FOLHA DE SÃO PAULO - 19/02/2010
Somente ao fim da primeira metade do ano é que poderemos ter um quadro mais claro nos Estados Unidos
ESTAMOS completando o segundo mês do ano e os mercados financeiros continuam pisando em ovos. Até os analistas confiantes em um cenário mais positivo estão com suas barbas de molho. Embora sejam cada vez mais sólidos os sinais de recuperação no mundo emergente, os receios de uma recidiva nos países do rico G3 têm temperado o otimismo dos que acreditam nessa nova divisão do mundo.
O chamado descolamento ficou ainda mais forte depois da crise fiscal que tomou conta da Europa. Até agora o motivo principal para sustentar a tese do mundo que cresce a duas velocidades era a dinâmica diferenciada do consumo entre os dois blocos. Nas nações emergentes, ainda há um espaço enorme para acomodar novos consumidores ao mercado; já no mundo rico, a estagnação da renda e do emprego, ao lado dos excessos do endividamento dos últimos anos, cria um quadro sombrio para a nova década.
A crise fiscal da Grécia chamou a atenção para o gigantesco obstáculo a ser enfrentado pelas nações ricas para voltar a crescer a taxas elevadas. A combinação do esforço fiscal para superar a crise bancária com a perda de arrecadação durante a recessão que se seguiu fez com que o endividamento dos países do G3 atingisse níveis perigosos. A necessidade de reduzir esse endividamento ao longo da próxima década vai exigir um aumento significativo da poupança pública, o que limitará o crescimento econômico.
Os mercados temem que não haja condições políticas para que os governos desses países façam o arrocho fiscal necessário para reduzir o endividamento. Os custos sociais de um ajuste da natureza e da intensidade que serão exigidas para satisfazer as expectativas dos investidores em títulos públicos serão certamente superiores ao que imaginam os lideres políticos dessas nações. Nos países mais frágeis e de menor coesão social, poderemos ter momentos de muita tensão pela frente.
Sabemos hoje que a consolidação de um mundo emergente, que se expande a uma velocidade muito maior do que as economias ricas, pressupõe que não ocorra nessas economias uma nova crise de crescimento. E o medo desse novo mergulho na recessão não está afastado, principalmente em relação à Europa. Por isso a recuperação da economia americana passou a ser ainda mais importante para as economias do mundo emergente. Se ela voltar a crescer de forma sustentável -algo como 2,5% ao ano neste início de década-, é provável que a fraqueza europeia e japonesa possa ser revertida. Nesse caso, o mundo emergente terá condição de continuar a crescer a taxas elevadas.
Por isso, todos os olhos estão focados nos dados econômicos que são divulgados quase que diariamente nos EUA. Tenho uma visão positiva -que divido com a equipe de economistas da Quest- em relação a essa questão. Os gastos dos consumidores americanos estão sendo superiores às expectativas mais pessimistas, e as empresas de maior porte têm apresentado resultados bem acima dos esperados pelos analistas. Ainda existem importantes segmentos do tecido produtivo americano que não estão funcionando normalmente, mas há sinais de que podem começar a melhorar a partir do verão no hemisfério Norte.
Em minha opinião, somente ao fim da primeira metade do ano é que poderemos ter um quadro mais claro nos EUA. Até lá os mercados continuarão divididos entre canarinhos e urubus.