O ESTADO DE SÃO PAULO - 26/02/10
Os populistas voltaram. Sim. Eles mesmos. Já andaram por aqui na década de 1940, ressurgiram na década de 1950 e início da de 1960 e andaram caçando bois em pastos na de 1980. Eles são sempre iguais: adoráveis em curto prazo, perigosos em médio prazo e desastrosos em longo prazo. E não se corrigem. Até porque seus métodos voltam sempre a fazer sucesso desde que o povo se esqueça das catástrofes que causaram em suas últimas atuações. O populismo é uma doença infantil da democracia. Um mal tão perigoso quanto a catapora e o sarampo. E, como eles, parece inofensivo em seus primeiros sintomas.
Populismo, na prática, é como fazem determinados jogadores de futebol que descobrem que fazer gols é muito difícil. Mais cômodo e com melhores efeitos imediatos é "jogar para a plateia". Uma embaixadinha aqui, uma ameaça de drible acolá e pronto, os torcedores já se dão por satisfeitos. Para que lutar por resultados efetivos? De que vale suar a camisa se com muito menor esforço já se consegue agradar ao público?
Medidas e atitudes populistas não costumam agradar à opinião pública em nações onde as instituições já estão maduras e consolidadas. Também não servem para nações onde essas nem sequer existem. Funcionam bem onde já há alguns arremedos de instituições mas elas ainda são fracas, incipientes. É o caso da maior parte das nações da América Latina.
Populismo não tem fórmula pronta e acabada. Tampouco é passível de improvisação. É, na prática, um espetáculo de ilusionismo, mágicas e efeitos especiais. O governante populista não se arrisca jamais a tomar medidas que possam parecer antipáticas. Mesmo que a experiência de seu país, e também dos outros, indique que estas são as únicas que podem surtir algum efeito. Os populistas preferem arroubos retóricos a atitudes eficazes. Num momento de alto desemprego, inflação e estagnação econômica, o que vem à mente de um governante populista? Adotar um receituário econômico de austeridade e severidade? Ou fazer pronunciamientos públicos irados contra a suposta exploração de que seu pobre país seria vítima por parte das nações mais ricas? Não há dúvida de que os populistas optam pela segunda fórmula.
Agir assim é mais fácil, mais cômodo e ainda leva a vantagem de que todos os opositores podem ser tachados de inimigos do bem-estar do povo, ou entreguistas, ou mesmo agentes dos interesses estrangeiros. Ai daqueles que se manifestarem contrários às medidas populistas! Serão tachados, no mínimo, de covardes ou derrotistas. El pueblo, nos momentos críticos, não pode contar com os tíbios e os fracotes. Faz-se necessário, nessas ocasiões, que haja líderes destemidos e impetuosos. Gente "corajosa" a ponto de não temer denunciar as injustiças. E quem seriam eles? Ora, os populistas, é claro!
Infelizmente, as anomalias políticas de cunho populista não são facilmente extirpáveis do corpo social. Afinal, o populismo sempre apresenta alternativas simpáticas, impetuosas e de fácil adoção. É como se no rótulo de todo elixir populista viesse a advertência: agite antes de usar.
Pobres dos que, em oposição aos desmandos populistas, apresentam alternativas antipáticas ou dolorosas ao corpo social. As massas serão instadas a repudiá-los veementemente por se posicionarem contra os interesses maiores del pueblo e de la nación.
Você é daqueles que entendem que os populistas só podem ser bem-sucedidos em países atrasados como a Venezuela de Hugo Chávez, a Bolívia de Evo Morales, o Equador de Rafael Correa ou a ilha da fantasia dos irmãos Castro? Acredita que em povos maduros e mais bem instruídos esse tipo de discurso não pega? Você está sendo otimista demais. Como é que você explicaria o fato de o casal Kirchner permanecer no poder há tantos anos numa nação civilizada e com uma população bem-educada como a Argentina?
Pois Néstor e Cristina Kirchner dominam a cena política por lá há sete anos e seu arsenal de expedientes populistas ainda parece ser inesgotável. Desde tentarem passar ao povo a imagem de que são como que a reencarnação de outro casal de políticos do passado, Juan e Eva Perón (também populistas), até o fato de recorrerem a "atitudes corajosas" como mandar prender comerciantes por eventuais elevações de preços e, mais recentemente, medidas de aparência patriótica como reivindicar a posse das Ilhas Falkland ("Malvinas"), desde sempre propriedade do Reino Unido. Sobre essa disputa, é bom lembrar, já houve uma guerra, vencida pelos ingleses, em 1982. O governo militar argentino de então, como forma de reconquistar o apoio popular, reivindicou as ilhas e as invadiu. Os súditos de Sua Majestade as retomaram em menos de seis meses, com pesados reveses e baixas do lado dos nossos vizinhos. Como agora, o Brasil, de imediato, se posicionou do lado de los hermanos. Desta vez, ninguém sabe dizer no que vai dar. É possível que haja uma saída diplomática. Pode, também, acabar novamente em guerra. Uma coisa, no entanto, parece previsível: a sobrevivência política do casal estará, por um bom tempo, assegurada.
Para aqueles otimistas que acreditam que os brasileiros já amadureceram o bastante para não caírem mais na lábia dos populistas, vale uma advertência. A conjuntura política na América Latina sempre evolui por ondas. Quando eram os militares que ditavam as regras, quase todas as nações de nosso subcontinente adotaram regimes militares. Quando as democracias liberais do suposto Consenso de Washington apareceram, elas proliferaram rapidamente. Por outro lado, nas vezes em que regimes autoritários de cunho populista surgiram, eles contagiaram toda a região. O "regime da moda", agora, aparenta ser esse.
Que a dona Dilma me desminta se eu não estou dizendo a verdade.