O Estado de S. Paulo - 24/02/2010
A Grécia não passa de um nanico econômico. Tem um PIB que é apenas 2,75% da economia da União Monetária Europeia. E, no entanto, a crise que corrói suas finanças está colocando em risco a solidez da moeda única do bloco de 16 países. Isso demonstra o que já se desconfiava: que há algo de errado com o euro.
Desde o amanhecer da civilização ocidental, sabe-se que a qualidade de uma moeda está intimamente ligada à capacidade de arrecadar impostos da autoridade que a garante, ou seja, à capacidade da autoridade de manter o valor da sua moeda.
Ou seja, a moeda, que é a base de um sistema produtivo e financeiro, só tem força se for garantida pela autoridade politicamente constituída.
"É lícito pagar impostos a César?", perguntaram os fariseus a Jesus. Mostre-me uma moeda, disse-lhes ele. E eles mostraram. "De quem é esta efígie e esta inscrição?", perguntou Jesus. Responderam-lhe eles: "De César." Então, disse-lhes Jesus: "Pois dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus."
Os criadores do euro foram assessorados por Robert Mundell (Prêmio Nobel de Economia em 1999) e sabiam que o sucesso do euro dependia de que preexistisse uma "área monetária ótima". Sabiam também que para garantir as condições de uma "área monetária ótima" tinham de construir uma "área fiscal ótima".
Tomaram a decisão de criar uma moeda comum, mas se recusaram a submeter seus súditos a uma só autoridade arrecadadora de impostos e definidora de uma política fiscal comum. Apenas a política monetária do euro (política de juros) foi satisfatoriamente instituída e conduzida com a criação do Banco Central Europeu.
Mas o euro não leva a efígie de César, porque a ideia foi criar uma moeda única sem a unidade política que a garantisse. Nem os dirigentes nem os povos do euro quiseram se submeter a uma autoridade política única. Essa foi uma decisão política, que envolveu um erro original político e que agora exige solução política.
Entenderam que a falta de um governo único, para dar consistência fiscal ao valor do euro, poderia ser suprida por um tratado (Pacto de Estabilidade e Crescimento - PEC), por meio do qual todos os participantes do euro se comprometeram a não produzir um déficit orçamentário superior a 3% do PIB e uma dívida pública maior do que 60% do PIB.
Aparentemente, ninguém foi conferir se o Pacto foi cumprido ou não. Hoje se sabe que, por motivos de força maior ou, em alguns casos, nem por isso, a maioria dos 16 participantes do euro não cumpriu seus compromissos fiscais. No caso da Grécia, não houve apenas interferência adversa dos incontroláveis deuses do Olimpo; houve também manipulação fraudulenta de estatísticas produzida com assessoria de um grande banco, o Goldman Sachs.
Ninguém sabe ainda qual será a solução providenciada para a crise fiscal da Grécia e para as eventuais crises dos outros Pigs do bloco (Portugal, Irlanda e Espanha). O fato é que, com mais ou menos dor, uma solução virá.
No entanto, ficou demonstrado que em consequência de um punhado de fatores, o PEC pode virar letra morta. Como não há unidade fiscal (e política) dentro do bloco, ficará faltando a redenção para o vício original do euro.
Confira
Investimento estrangeiro - O BC manteve para 2010 as projeções de US$ 45 bilhões em Investimento Estrangeiro Direto, 73,4% acima dos números de 2009. Mas janeiro apontou entrada de apenas 40,5% do que entrou em janeiro de 2009.