segunda-feira, janeiro 25, 2010

O mundo atrapalhado - Carlos Alberto Sardenberg

O Estado de S. Paulo - 25/01/2010
 
 

A verdade é que o mundo anda bastante atrapalhado nesta saída da crise. O.k., os gastos dos governos ressuscitaram as economias e o dinheiro despejado pelos bancos centrais impediu o colapso dos sistemas financeiros. Mas o que se faz agora?

A um determinado momento parecia que a crise trouxera de volta aqueles bons tempos em que ninguém se preocupava nem com o excesso de gastos públicos nem com a ampla intervenção do Estado nas atividades econômicas. Ao contrário, parecia que só o governo poderia salvar companhias e bancos e, aliás, o próprio capitalismo. Como dizia muita gente saudosa: o governo salva o capitalismo do próprio capitalismo.

Tem uma contradição aí, mas quem se importava? A licença para gastar e para intervir parecia, se não eterna, pelo menos com um grande futuro pela frente.

Aí, passado o pior, o pessoal volta a fazer contas - essa desgraça - e o que se encontra? Montanhas de déficits e dívidas públicas acumuladas mundo afora. E um imenso "excesso de liquidez", dinheiro barato na praça, com juros bem pequenos, permitindo de novo as alavancagens - tomar empréstimo a custo zero nos Estados Unidos ou no Japão e comprar ações no Brasil ou imóvel na China, ativos com espetacular valorização.

A resposta parece óbvia. Como se reduz um déficit ou uma dívida pública? Cortando gastos e aumentando impostos. Como acabar com o excesso de liquidez? Aumentando os juros, cortando crédito para as instituições financeiras. No jargão dos economistas, trata-se de "retirar os estímulos fiscais e monetários".

A China, por exemplo, está tomando essa última medida. Boa parte dos empréstimos está suspensa, os juros já subiram e vão subir ainda mais.

Mas a China não conta. O país chegou ao final do ano passado crescendo em ritmo... chinês, acima dos 10% ao ano. Já no mundo rico - Estados Unidos, Europa e Japão -, a recuperação econômica é muito frágil. Assim, a "retirada dos estímulos" poderia trazer de volta o risco de recessão e/ou depressão.

Além disso, há fatores políticos. Tome-se o caso de Barack Obama: a reforma do sistema de saúde, tema dominante na campanha, é uma prioridade absoluta e de sua realização depende fortemente o êxito do governo. Mas a reforma aprofunda ainda mais o rombo das contas públicas. Para pagar isso, Obama havia dito que cobraria impostos dos mais ricos, mas todos sabem que, neste momento, qualquer elevação de impostos é recessiva e tem um custo político.

Vale também para os bancos. Depois de tudo o que aconteceu, todos concordam que é necessária uma reforma no sistema bancário americano, especialmente, mas também na Europa, sobretudo na Inglaterra. Mas qual reforma?

No fundo, todo mundo tem bronca dos bancos - e isso desde que inventaram os bancos. Você vai lá aplicar e eles cobram pelas operações e pagam pouco. Você vai tomar emprestado e eles cobram de novo pela operação e tocam juros.

Mas, se, apesar disso, os bancos existem até hoje e cada vez mais fortes, é sinal de que são muito necessários, não é mesmo? E, para ser justo - e realista -, a verdade é que antes da crise o sistema financeiro global foi capaz de distribuir capital abundante e barato pelo mundo afora, capital que gerou negócios, empregos e renda.

Logo, como reformar os bancos, punir os banqueiros que continuam se pagando bônus milionários e, ainda assim, manter o sistema financeiro com sua capacidade de captar poupança onde há e entregar onde há demanda por crédito para consumo e investimento?

Como costuma ocorrer em economia - e na vida das pessoas em geral -, uma coisa começa boa e logo se torna um problema. Tragam o governo! - foi a palavra de ordem do ano passado. E agora, como tirar da frente esse imenso e endividado governo?

Antes era mais fácil. Na fase da globalização liberal, governo e regulamentação eram sempre ruins. Na crise, passaram a ser virtude. Agora... bem, depende.

Preços no chão - Brasileiros acostumados a fazer compras nos Estados Unidos contam que nunca viram preços tão baixos como os atuais. Não se trata de pesquisa, mas da impressão de pessoas que aproveitam suas viagens para comprar roupas, eletrônicos, coisas para casa. São compras pessoais, não comerciais.

Não se trata também da cotação das moedas. Esses brasileiros e essas brasileiras dizem que as coisas estão muito baratas em dólar e que nunca viram tanta promoção.

Por certo, é uma consequência da forte retração do consumo dos americanos, atingidos pela crise de diversas maneiras. A situação mais dramática, claro, é dos que perderam o emprego. Mas todas as famílias estão sofrendo com a restrição do crédito e a perda de riqueza familiar, esta provocada pela desvalorização dos imóveis, que são garantia de empréstimos, e das ações que integram os fundos de pensão. Assim, todos são obrigados a gastar menos e poupar mais.

O comércio, numa economia tão livre e aberta como a americana, reage derrubando preços. Tanto que num determinado momento os economistas temiam que a coisa descambasse para uma enorme depressão, quando os preços caem porque não há consumidores e os consumidores não compram, primeiro, para fazer economia e, depois, para esperar preços menores à frente. Isso termina por derrubar a produção, gerando um círculo vicioso.

Para a maioria dos economistas, os Estados Unidos já conseguiram se livrar dessa tragédia. Mas alguns ainda acham que continua sendo um risco, dada a necessidade das famílias (e do país) de poupar ainda mais.

A ver. Enquanto isso, estrangeiros fazem a festa nas lojas dos Estados Unidos