O Globo - 19/01/2010
A recuperação da indústria em 2010 é consenso entre os analistas. Fortemente atingido pela crise, o setor amargou quedas substantivas na produção em 2009. A reação começou modesta no segundo semestre, mas, virada a página do calendário, os sinais são todos no sentido da retomada. Só que há desafios que precisam ser superados para que se consolide o crescimento.
O economista Júlio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, acompanha com certa preocupação as previsões otimistas em relação ao futuro da indústria.
Não que ele seja um pessimista, ao contrário. Mas alerta para os desafios que o setor terá de enfrentar em 2010 e no futuro pós-crise.
Como se comportarão os setores automobilístico, linha branca e móveis quando acabarem os incentivos tributários? É uma incógnita, na visão do economista: — Saem os incentivos e entra o crédito, mas essa substituição, a passagem do bastão, é sempre um momento delicado. Pode haver algum ruído.
E como será o comportamento dos consumidores desses produtos? O consumidor não substitui a geladeira, a máquina de lavar, todo ano. A redução do IPI pode ter antecipado uma compra que vai fazer falta em 2010. Almeida acha que essa compra antecipada vai, de fato, fazer falta, mas aplaude a iniciativa do governo, que ofereceu incentivos para a economia no auge da crise.
O setor de manufaturados também preocupa. As exportações devem crescer este ano, puxadas pela reativação da economia mundial, mas num patamar ainda aquém do necessário para movimentar o setor industrial.
Mesmo com essas interrogações, Almeida acredita que a produção industrial crescerá entre 6% e 7% em 2010, por conta do desempenho positivo de outros setores importantes: bens de capital, insumos para a construção, e bens duráveis como computadores, celulares e TVs, neste caso, pelo incentivo da Copa do Mundo.
O mercado aposta em um crescimento ainda maior, de 8%. Mas esses resultados, na opinião do economista, não são ainda a garantia de um crescimento sustentado: — O mundo industrial não será o mesmo depois da crise.
A oferta vai superar em muito a demanda nos próximos anos e a indústria brasileira precisa estar preparada para uma concorrência internacional muito maior.
Assim, 2010 pode ser o começo de uma fase difícil para a indústria, principalmente para os setores que não fizeram o dever de casa, investindo em competitividade, redução de custos e tecnologia, embora algumas variáveis importantes não dependam dos empresários, como o câmbio e a carga tributária.
São Paulo lidera
Pela ótica regional, 2010 deve consolidar a liderança de São Paulo no processo de recuperação da produção industrial. O estado foi bastante afetado pela crise global e a recuperação começou de forma modesta em 2009.
Mas como tem a indústria mais estruturada e diversificada do país, recuperou o protagonismo nesse processo, com sinais claros de sustentabilidade, segundo a análise de Júlio Almeida.
Crédito forte I
Se depender do crédito, não faltará estímulo ao crescimento.
O diretor de economia da Anefac, Andrew Storfer, aposta em um aumento de 20% na oferta de crédito do país em 2010. O gráfico abaixo, com as projeções da equipe da Gaia Asset, mostra que a relação crédito/PIB deve passar de 60% já no final de 2011. Isso significa que a oferta de crédito vai dobrar em cinco anos, na comparação com os níveis de 2006.
Crédito forte II
A expansão do crédito é tão forte que os grandes bancos brasileiros estão criando departamentos exclusivos para a compra e a venda de títulos da dívida privada, ou seja, está sendo criado um mercado secundário de crédito no país. De acordo com Murilo Pisciotto, economista da Gaia Asset, esse tipo de departamento é comum nos EUA, mas no Brasil a iniciativa é recente.
— São áreas especializadas em analisar as garantias, dar um preço justo para o perfil de risco da operação e buscar parceiros para dividir o risco e, logicamente, o retorno — explica Pisciotto.