sexta-feira, janeiro 22, 2010

Merval Pereira Troca de chumbo




O GLOBO

Uma das diferenças mais admiradas entre Lula e certos líderes da América Latina é o fato de ele não ter enveredado pela tentativa de um terceiro mandato, apesar da popularidade que possui. Esse seria um sinal, especialmente para os investidores estrangeiros, de que no Brasil a democracia está institucionalizada, a estabilidade política e econômica está assegurada e a alternância de poder é de fato possível.

Mesmo achando que Lula não deu trela aos que defendiam um terceiro mandato consecutivo por ser mais esperto politicamente que seus aduladores, compreendo que cada vez que o protoditador da Venezuela Hugo Chávez abre a boca para dizer absurdos, como acusar os Estados Unidos de ter provocado o terremoto no Haiti com o teste de uma nova arma que pretende usar para arrasar o Irã, cresce a importância de existir um Lula na América Latina.

Mesmo que Lula esteja mais próximo de Chávez do que seria desejável, como no caso de Honduras, ele ainda assim é uma barreira aos arroubos chavistas.

Não é por acaso que o presidente brasileiro é festejado em vários países do mundo, e acaba de ser laureado com o título de Estadista Global pelo Fórum Econômico Mundial, prêmio que receberá no final do mês em Davos, na Suíça.

Os líderes mundiais, aturdidos com a ação deletéria de Chávez pelo continente, que já gerou frutos como Evo Morales na Bolívia, Correa no Equador, os Kirchner na Argentina, Daniel Ortega na Nicarágua, louvam a presença sensata de Lula nessa arena latinoamericana enlouquecida.

Pela história de vida e pela comparação com os líderes regionais que o cercam, Lula cresce de tamanho diante dos olhos espantados dos "brancos de olhos azuis", ainda culpados pela crise econômica internacional.

A formidável campanha publicitária de endeusamento de Lula faz com que a candidata oficial, Dilma Rousseff, diga que Lula é "um dos maiores líderes mundiais, se não o maior". Esperando que essa entidade a eleja presidente do Brasil.

Mesmo sem ter lutado pelo terceiro mandato, Lula se coloca como o centro da próxima campanha presidencial ao anunciar que quer um plebiscito, do tipo "quem sou eu, quem és tu", referindo-se indiretamente ao seu grande adversário político, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em relação a quem parece nutrir um complexo de inferioridade que nem todas as glórias do mundo conseguem aplacar.

A ministra Dilma Rousseff chamou o PSDB para briga ao atribuir ao partido a decisão de "acabar com o PAC". Aproveitou-se de um escorregão do presidente tucano em entrevista à revista Veja que, no afã de desqualificar o programa de obras do governo, disse que ele não existia, e um futuro governo do PSDB acabaria com ele.

Atacado em seu flanco frágil, Guerra pegou pesado, chamando Dilma de "mentirosa" em nota oficial, e recebeu o troco de outra nota oficial do PT, que classificou de "desespero" sua reação à crítica de Dilma.

Ao jogar-se com tanta disposição na campanha eleitoral, Lula corre o risco de ofuscar sua candidata, mas parece não se incomodar com esse risco calculado.

Pois se não se jogar de corpo e alma na disputa, chamando para si a tarefa de derrotar o candidato do PSDB, Lula sabe que não conseguirá eleger Dilma.

Ontem, na primeira reunião ministerial do ano, Lula mostrou que não está tão seguro quanto finge estar quando discursa nos palanques.

Chamou o presidente do PSDB de "babaca", e insinuou que o governador José Serra pode não se candidatar à presidência, permanecendo em São Paulo.

Sinais claros de que a disputa presidencial este ano não será amena. Dizem que chumbo trocado não dói. Mas a eleição presidencial caminha para ser das mais dolorosas dos últimos tempos.

A propósito da coluna de ontem, na qual relato as negociações que estão ocorrendo na Índia e nos Emirados Árabes para a compra de aviões de caça, a preços menores do que o governo brasileiro está pagando, Jean Marc Merialdo, representante da Dassault e do consórcio Rafale no Brasil, assegura que, dependendo das configurações, das missões, perfil de aviões de um país para o outro, os preços serão compatíveis.

O fato de a Índia comprar 126 aviões faz diferença no preço final, pois o Brasil está comprando apenas 36 aviões, diz ele.

Quandos e vende um conjunto de aviões não são apenas eles que entram na negociação, explica. Cada país, cada Força Aérea, tem suas exigências em termos de apoio logístico, que estará embutido no preço. O prazo pode ser de 3 anos, de 6 anos, ou 10 anos, e aí varia muito o preço total.

Segundo ele, é difícil dividir o preço total pelo número de aviões e dizer que pagamos um preço mais alto que outro país. Porque talvez haja outras coisas embutidas nos contratos, que não são iguais de um país para o outro.

O valor de US$ 10 bilhões, divulgado pela imprensa indiana e por sites especializados, não seria oficial, porque o governo da Índia não revelou quanto pretende gastar. A concorrência ainda está na fase técnica e inclui propostas comerciais distintas, que estão em envelopes lacrados.

Quanto aos Emirados Árabes, não há uma concorrência, a Dassault está negociando diretamente, e ainda não há uma definição de preços segundo ele. De acordo com as informações extraoficiais, que Jean Marc Merialdo não confirma, o pacote incluiria a compra de 60 aviões Rafale por um valor que varia de US$ 8 a 11 bilhões.