O GLOBO
— Se o clima fosse um banco eles já o teriam salvo.
(Hugo Chávez, presidente da Venezuela, sobre a reunião de Copenhague)
Tudo bem que a eleição de Dilma Rousseff para presidente da República dependa acima de tudo da capacidade de Lula de transferir votos para ela. Haverá transferência. O que ninguém sabe é se será suficiente.
Mas convenhamos: Dilma tem de fazer sua parte.
Foi um fiasco, por exemplo, seu desempenho na conferência sobre o clima em Copenhague.
Que melhor cenário poderia ter sido montado para Dilma desfilar como apóstola da preservação do meio ambiente? Apóstola seria um exagero. A senadora Marina Silva (PV-AC) é quem tem jeito de apóstola.
Desafetos apontam Dilma como adepta do desenvolvimento a qualquer preço — o que é um exagero.
Copenhague foi uma oportunidade desperdiçada por ela.
Primeiro trombou com o ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente. Desautorizou uma declaração dele que em nada criaria embaraços para a posição do Brasil na conferência.
Em seguida trombou com Marina e o governador José Serra (PSDB).
Os dois propuseram que o Brasil doasse um bilhão de dólares para a criação de um fundo internacional de financiamento de medidas de adaptação e redução de emissões de gases nos países pobres.
Dilma rebateu a proposta sem pensar que ficaria mal na foto: “Um bilhão de dólares não faz nem cosquinha”.
Mais tarde provou o remédio amargo que empurrara goela abaixo de Minc — acabou desautorizada por Lula.
Ao pedir aos países desenvolvidos que se comprometessem com metas concretas de defesa do meio ambiente, Lula disse que o Brasil estava disposto, sim, a doar dinheiro para o tal fundo.
E ainda houve o que muitos atribuíram a um ato falho de Dilma. Em uma de suas intervenções antes que Lula chegasse a Copenhague, Dilma afirmou em discurso por escrito: “O meio ambiente é, sem dúvida nenhuma, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável”.
Pobre redator do discurso.
Da forma como a frase foi construída é improvável que ele tenha escrito: “O meio ambiente não é, sem dúvida nenhuma, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável”. Nesse caso, o “sem dúvida nenhuma” teria sido extirpado em favor da clareza. Dilma leu o que foi escrito.
Culpa não lhe cabe.
Coube-lhe o desgaste pela trapalhada. Sorte dela que não tenham vazado durante o encontro inconfidências cometidas por seus próprios assessores. O desgaste teria sido ainda maior. Dilma cobrou do governo da Dinamarca tratamento conferido apenas a chefes de Estado.
Não obteve.
Ao desembarcar, pretendia entrar direto em um carro e se mandar do aeroporto. Não conseguiu. Estava disposta a driblar detectores de metal.
Não conseguiu. Exigiu que lhe servissem comida especial — conseguiu. Requisitou para uso exclusivo uma copiadora capaz de imprimir a cor — conseguiu também.
Distante dos marqueteiros, por sua própria conta e risco, Dilma foi Dilma em estado puro.
Talvez tenha sido mais feliz assim. Recentemente, ela admitiu que cansou de ouvir conselhos para mudar determinados traços do seu temperamento.
Decidira não tentar mais parecer com o que não é.
A simpatia não é o seu forte.
Por que penar para ser simpática? Quem convive com ela a reconhece como uma executiva eficiente e talentosa, embora centralizadora.
E na maioria das vezes ríspida com seus subordinados.
Gosta de mandar — um ponto positivo para quem aspira ao cargo mais importante do país. E não gosta de ser contrariada.
Ora bolas! Por que fazer de conta que a dama de ferro esconde uma espécie de Dilminha paz e amor? Lula é quem domina a requintada arte de se comportar como um camaleão.
É grosseiro em particular com os que o cercam.
Em público é doce com eles.
Em particular diz muitos palavrões.
Só falou merda uma vez em público.
Políticos são atores — Dilma sabe. Falam em campanha o que a distinta plateia quer ouvir — Dilma sabe. E não dão um passo sem pesquisar antes seus efeitos — Dilma sabe. Portanto, ou ela segue as regras ou perde de véspera.
Lula ainda não chegou ao ponto de operar milagres.