O GLOBO
Para que aconteça o cenário do Banco Central , de um PIB ligeiramente positivo em 2009, de 0,2%, é preciso que o PIB tenha dado um salto muito acima das previsões neste quarto trimestre. Pelos cálculos do economista Armando Castelar, um salto de 4,5%. Isso daria um crescimento anualizado de 20%.Se houver essa alta forte, o carregamento estatístico para o ano que vem será de 4,3%.
O Banco Central divulgou esta semana, no seu relatório de inflação, que o país ficará no positivo este ano 0,2% e que em 2010 crescerá 5,8%. O ano que vem vai ser realmente de crescimento forte, em parte por um efeito estatístico — a comparação com uma base fraca —, em parte por crescimento mesmo.
Mas esses números do BC destoam um pouco.
Até o último relatório, o BC registrava uma previsão de 0,8% de crescimento em 2009.
Irrealista diante dos indicadores parciais, mas mais coincidente com a aposta do Ministério da Fazenda, que no ano inteiro sustentou que o país teria crescimento de 1% este ano.
O terceiro trimestre foi uma decepção. O ministro Guido Mantega sustentou que o crescimento seria de 2%, e ele foi de 1,3%. Abaixo do desempenho da economia que é o epicentro da crise: os Estados Unidos, depois de duas revisões para baixo, divulgaram esta semana que tiveram crescimento de 2,2% no terceiro trimestre. Com desempenho abaixo do previsto nesse período, ficou mais difícil para o Brasil terminar 2009 com resultado positivo.
O BC saiu à francesa do seu número de 0,8%, dizendo que ele será 0,2%.
Mas, dado que o país está com uma queda acumulada de 1% nos últimos 12 meses terminados em setembro, para se chegar a um resultado de 0,2% em 2009, o crescimento do último trimestre do ano — que está acabando, mas cujo número só sai no ano que vem — terá que ser muito forte. Castelar calcula que será necessário um salto ornamental de cerca de 4,5% de crescimento do quarto trimestre sobre o terceiro. Se forem retirados os fatores sazonais, e o número for anualizado, daria um ritmo de 20%. Totalmente improvável.
Se ocorrer esse cenário de abrupta elevação do ritmo do crescimento no último trimestre, o carregamento estatístico do ano que vem será mais forte. O cálculo do PIB é a comparação da média de um ano contra a média do ano anterior. Como 2009 começou mal e foi melhorando, ele é uma reta que sobe. Imagine que o país fique sem acelerar mais em 2010.
Só a comparação da média do ano que vem contra a média deste ano já dará um resultado de crescimento. Isso é que se chama carry over, o carregamento estatístico. Se o PIB der esse salto no quarto trimestre, o efeito estatístico será maior. Pelo cenário do BC, Armando Castelar calcula que o carregamento será de 4,3%. Ou seja, dos 5,8% do crescimento previsto pelo Banco Central, 4,3% seria apenas desse efeito.
Os analistas estão prevendo para 2010 um crescimento acima de 5%. Há até bancos falando em números perto de 6%. Isso porque a economia vai entrar em 2010 acelerando, depois de ter subido no fim de 2009. Haverá efeito estatístico e crescimento de fato. A dúvida é só como se chegará a esse resultado: se com um forte crescimento agora no fim de 2009 e um carregamento estatístico maior, ou se com um número menor e mais crescimento no ano que vem. Se por acaso, o ano fechar em -0,3%, o efeito estatístico será de 2,5%.
O terceiro trimestre foi frustrante porque se esperava mais, confiando que quando o ministro Mantega falou em 2% sabia o que dizia. Dois dias depois, saiu 1,3%. O terceiro trimestre foi impactado negativamente pelo baixo desempenho da agricultura. O investimento e o consumo cresceram, mas houve queda das exportações e aumento das importações, o que significa que essa demanda foi atendida pelo produto importado.
Isso vai se aprofundar no ano que vem, na opinião de Castelar, produzindo um déficit em transações correntes do Brasil. Houve também no terceiro trimestre uma redução forte de estoques, o que significa que parte da demanda foi atendida com a venda do que já estava produzido. Isso indica uma boa notícia: a de que terá que ser produzido mais para repor estoques.
— O que vai acontecer com o déficit em transações correntes não é preocupante em si, o que preocupará será a dinâmica da entrada desse novo cenário de resultados negativos nas contas externas — diz Castelar.
Para o ano que vem, há muitas incertezas no mundo, diz o economista: — A Grécia já teve rebaixamento da sua avaliação de risco, a Espanha pode ter o mesmo rebaixamento.
A Inglaterra está enfrentando também uma deterioração das contas públicas grande. Os governos socorreram as empresas e bancos endividados, estatizando a dívida privada, fato semelhante ao que nos aconteceu no começo da década de 1980, na crise da dívida. Essa é uma herança que eles terão que resolver.
Ainda pesará sobre o ano de 2010 a grande dúvida: quando serão retirados os estímulos excessivos concedidos pela maioria das economias? Aqui, a dúvida é como o governo vai se comportar, em ano eleitoral, na área fiscal. Em 2009, o governo brasileiro aumentou muito o gasto em despesas que não poderá comprimir.
Se continuar aumentando essas mesmas despesas, a era Lula pode deixar uma herança pesada para o próximo governante.