domingo, dezembro 27, 2009

Internacional Retrospectiva 2009



Vilma Gryzinski

O ano em que Obama caiu na real

Jewel Samad /AFP

Ser um homem de inteligência superior submeter suas ideias ao teste supremo da realidade – e existe outro maior do que a Presidência dos Estados Unidos? – foi o espetáculo mais hipnotizante de 2009. O júri ainda vai ficar acompanhando o desempenho de Barack Obama por um bom tempo, mas já deu para ter uma visão da mistura de pragmatismo e idealismo que parece guiá-lo. Em geral, o pragmatismo funcionou melhor. A começar pelos dois eixos mais vitais, a economia e a defesa, em que Obama manteve praticamente as equipes e as políticas em vigor. A argumentação que fez sobre a inevitabilidade das "guerras necessárias", mesmo entre aqueles que como ele não têm ânimo beligerante, foi talvez o ponto alto, em termos intelectuais, de seu primeiro ano de governo. No campo do idealismo, brilhou no discurso do Cairo em que estendeu a mão ao mundo muçulmano e tentou, metaforicamente, quebrar a narrativa massacrante da vitimização. Não se deu tão bem ao sair pelo mundo pedindo desculpas por políticas americanas do passado recente (os públicos ou não acreditam na beleza moral da autocrítica ou a desprezam) e se curvar excessivamente diante de monarcas estrangeiros. E continua parecendo totalmente inexplicável que tenha mandado transferir para Nova York o julgamento do, digamos, diretor executivo dos atentados de 11 de setembro, Khalid Sheikh Mohammed. Depois de pragmáticas adaptações, deve conseguir a aprovação da reforma mais importante no plano interno, a do sistema de saúde – que, numa reação só possível nos Estados Unidos, causou mais desaprovação do que o contrário na opinião pública. Em política externa, apesar da imagem fenomenalmente positiva, teve resultado zero até agora. É duro o teste da realidade, mas Obama leva jeito para enfrentá-lo.

Os dólares furados

Chip Eaast/Reuters


O governo baixa pacotes econômicos a toda hora, o presidente dá bronca em banqueiros porque não estão soltando financiamentos, o desemprego chega a 10% e a moeda anda fraquinha, fraquinha. Cidadãos comuns alarmam-se com a dívida pública, um mastodonte que bateu em 12 trilhões de dólares, e cidadãos incomuns começam a sair às ruas em protesto. O pior da crise já passou - aliás, tão depressa que os peixinhos vorazes que nadavam em volta do grande Moby Dick americano, loucos para fazer a dança de morte do capitalismo, nem tiveram tempo de aproveitar direito. Dá para acreditar que foi no ano da pouca graça de 2009 que o governo Obama assumiu a General Motors? Ou que o pagamento contratual de bônus a altos executivos das instituições financeiras resgatadas com dinheiro público provocou uma proposta de que todos fossem enforcados em praça pública com cordas de piano? Mas a insegurança econômica, e seus terceiro-mundistas acompanhamentos, ainda cala fundo na alma americana. "Os Estados Unidos estariam errados se dessem como garantido o lugar do dólar como reserva monetária predominante", avisou em setembro o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick - é, o mesmo chamado pelo presidente Lula de "sub do sub do sub" na época das negociações comerciais, e que continua adepto do estranho hábito de falar a verdade.

Pintura de guerra

Ahmed Jadallah/Reuters


Azadi, azadi, azadi.
O rugido que subiu das ruas de Teerã veio em farsi, mas seu significado é o mesmo em todos os lugares do mundo onde existe um grito sufocado no peito: liberdade. A intensidade, a energia e a extraordinária coragem dos jovens manifestantes mostraram que existe vida independente no Irã. O elemento catalisador foi a candidatura presidencial de Mir Hossein Mousavi, um ex-primeiro-ministro que se transformou em ícone do reformismo. Sob a bandeira verde, a cor apropriadamente islâmica de sua campanha, as belas maquiaram-se para a guerra das ruas e empurraram o lenço da cabeça, de uso obrigatório, até limites antigravitacionais. A campanha e os protestos subsequentes, diante da reeleição fraudada do sinistro Mahmoud Ahmadinejad, expuseram várias camadas de descontentamento, desde os jovens que anseiam por uma vida mais normal até dissidências no interior dos quadros do regime. Ahmadinejad e sua turma não negaram o sangue: engrossaram, reprimiram e continuaram celeremente no caminho da produção secreta de bombas atômicas, o assunto que vai tumultuar o mundo em 2010. Mas agora a trilha sonora iraniana incorporou a palavra mágica. Liberdade, liberdade, liberdade.

Obama quer Osama

David Guttenfelder/AP


A foto do soldado americano de chinelão e cueca cor-de-rosa, arrancado do sono por causa de um ataque dos talibãs, mostrou um momento de especial fragilidade: por baixo da habitual carapaça de combate, existem garotos de 18, 19, 20 e poucos anos. Já o governo americano não foi pego de calças curtas no Afeganistão. Ao contrário. O general Stanley McChrystal, comandante de campo, foi tão explícito sobre os riscos envolvidos no país que levou até repreensão do presidente Barack Obama. Mas ficou o aviso de clareza cristalina: ou os Estados Unidos enviavam mais tropas para controlar a situação na região que ainda abriga Osama bin Laden e companhia ou a guerra ia para o brejo. Até o nada belicista Obama se convenceu de que não dava. Imaginem a desmoralização total que seria os talibãs desfilando vitoriosos com o barbudão terrorista montado num jipão. Depois de se debater em dúvidas durante três meses, Obama acabou com o climão de Elsinore na Casa Branca: já está aumentando em 30 000 o número de soldados. Automaticamente, também aumenta a própria responsabilidade. Agora, Obama tem de pegar Osama. Ou no mínimo neutralizar categoricamente seus aliados locais. Parada dura.

Uma siesta muito, muito longa

Edgard Garrido/Reuters


Tudo teve ares de pastelão, mas pelo menos uma coisa deve ser considerada: a potestade das forças que se ergueram contra Manuel Zelaya não foi brincadeira. O infeliz do chapelão foi destituído da Presidência de Honduras com ordem assinada pela Suprema Corte e sem nenhuma cerimônia por parte do Exército. No seu lugar ficou um sujeitinho bravo, Roberto Micheletti, que assumiu interinamente com um objetivo - no pasará - e o cumpriu. Ainda por cima, Zelaya contou com o apoio incondicional dos megalonanicos da diplomacia petista, sempre uma garantia de que a coisa vai dar errado. Por ordem de Hugo Chávez, voltou à sorrelfa e se instalou na Embaixada do Brasil com planos inversamente proporcionais à capacidade de executá-los. As simpatias dos que, mesmo desconfiando das patranhas da figura, repudiavam os métodos de sua deposição sofreram um cruel golpe quando ele disse que estava sendo torturado por mercenários israelenses com emissões de alta frequência e gases tóxicos. Folhas de papel-alumínio passaram a recobrir as paredes da embaixada, dando a impressão de que a qualquer momento sairiam dali miolos ao forno. Zelaya não foi o único a passar atestado de maluquice: o governo brasileiro repudiou até o fim a realização de eleições presidenciais e, depois, seu resultado. Em outras circunstâncias, o mau conselheiro Marco Aurélio Garcia e o chanceler Celso Amorim ensaiaram dar uma de good cop e bad cop, aquela jogadinha de policial mau e policial bonzinho. Da história de Honduras, saíram parecendo os Keystone Cops.

Salto em crescimento

Erinhard Krause/Reuters


As jovens recepcionistas chinesas são escolhidas por critérios universais: beleza, altura e sorriso - quanto mais bonitas, mais importantes são os figurões a quem servem chá. Na foto, elas pularam para demonstrar disposição amável durante um evento legislativo na China. Todo mundo deveria pular junto: o crescimento econômico de 8% segurou praticamente metade do planeta à tona ou um pouquinho acima, o Brasil inclusive. Dos países que contam, nenhum atravessou a crise com tanto ímpeto. Os feitos portentosos e as construções espetaculares deram um tempo, inclusive por fadiga de atenção do resto do mundo depois da Olimpíada de 2008. Mas em 2010 a China reocupará o palco com a Exposição Mundial de Xangai. Entre as extravagâncias arquitetônicas, o pavilhão de Macau será em formato de coelho futurista. E as coelhinhas então...

Pecado original

Fayaz Aziz/Reuters

Militantes muçulmanos podem matar muçulmanos inocentes? A pergunta soa absurda, mas é objeto de intenso debate no mundo islâmico. Ainda mais com o recrudescimento, a partir do segundo semestre de 2009, dos ataques com carros-bomba nas três grandes frentes de atuação dos fundamentalistas armados – Iraque, Afeganistão e Paquistão –, com horríveis carnificinas entre a população civil. Os jihadistas, ou partidários da guerra santa, acham que a luta pela imposição de um regime islamicamente puro justifica que inocentes sejam feitos em pedacinhos. No pós-morte, Alá separa os justos dos culpados e compensa o sacrifício dos primeiros. No Paquistão, os atentados se multiplicaram a partir de agosto, em resposta a uma operação militar contra áreas dominadas pelos militantes fundamentalistas. Mais de 500 pessoas morreram explodidas por carros-bomba desde então. O menino morto, na chocante foto ao lado, foi vítima do ataque contra um mercado cheio de mulheres e crianças em Peshawar. O governo paquistanês conseguiu do alto clero uma fatwa dizendo que os atentados terroristas são haram,o equivalente a pecaminosos, e os líderes religiosos que os insuflam incorrem na mesma categoria. Um avanço no campo moral que terá, infelizmente, resultado nulo no campo prático.

Chanchada à italiana

Stoyan Nenov/Reuters

O paradoxo italiano salta aos olhos: o país vai bem, mas seu chefe de governo está tão mal que começou o ano gritando na frente da rainha Elizabeth para chamar a atenção de Barack Obama e terminou levando na cara uma miniatura da Catedral de Milão. Entre uma coisa e outra, uma erupção vesuviana de mulheres de boa figura e má reputação, um processo de divórcio anunciado pela esposa ofendida no principal jornal da oposição e uma decisão da Suprema Corte que o priva da imunidade do cargo. Para tudo Silvio Berlusconi deu a explicação clássica dos políticos erráticos ("intriga da oposição"). Tudo, sobretudo as cenas das festinhas de arromba na casa de praia, teve um ar de pornochanchada dos anos 70. O que não pode, evidentemente, ser debitado na sua conta é o ataque de Milão. Mas é quase impossível resistir aos paralelos entre o estilo kitsch do milionário populista e o objeto usado, uma lembrancinha de turista de arrepiar até cabelos implantados.

Ressaca geral

Junko Kimura/Reuters

Recessão, deflação e desanimação parecem conceitos difíceis de engolir num país com o espantoso nível de desenvolvimento do Japão. Mas nem um ofurô gigante de vinho, como na foto, seria capaz de revigorar os ânimos nacionais. A segunda potência do mundo tornou-se em 2009 um pouco mais a potência de segunda que a ascensão da China e a economia enfaixada já estavam prevendo antes mesmo da devastação trazida pela crise. Não que tenha mudado o estilo de vida de país rico, pós-industrialíssimo (embora ainda tenha indústria) e, nos casos mais limítrofes, já transposto em tempo quase integral para a realidade virtual. Um estudo feito no fim do ano sobre as expressões que mais definiram 2009 no Japão incluiu o seguinte: "homens herbívoros", ou soshoku danshi, sobre o tipo masculino meigo e algo assexuado que surgiu recentemente; "fast fashion", a modinha barata e descolada que salvou a pátria das grifes na hora da recessão; e "mudança de governo", propiciada pela eleição do primeiro-ministro Yukio Hatoyama. O sopro de renovação trazido por uma cara nova na política ficou mais na esperança. A coisa mais vibrante que aconteceu no Japão sob nova direção foi a mulher do primeiro-ministro, Miyuki Hatoyama, que diz ter sido abduzida por um óvni, aparentemente confirmando a crença de que, na fase atual, os japoneses são de Vênus.

Menos foi mais

Philipp Guelland/Reuters

Numa era de populistas exibidos, Angela Merkel é um alívio. Não joga para a plateia, não conta piadas, não se considera uma enviada dos céus. É de direita, mas com flexibilidade suficiente para ver a necessidade de dar umas estimuladas na hora do aperto e, depois, voltar às apertadas no déficit. Não fala uma palavra que não seja criteriosamente pensada – e, portanto, não diz besteiras. Suporta-as com estoicismo, como já se comprovou com Silvio Berlusconi falando ao celular, Nicolas Sarkozy tendo surto napoleônico e Lula elogiando o programa nuclear do Irã, tudo sob seus pouco complacentes olhinhos azuis. A maior mudança de imagem que fez para enfrentar a campanha eleitoral deste ano, no meio da crise, foi levantar o penteado uns 2 centímetros. Filha de pastor luterano, criada na antiga Alemanha Oriental e formada em física, ela gosta de tudo em perfeita ordem, disciplina e discrição. Sem nenhuma surpresa, os alemães também gostam do estilo minimalista. "Algumas pessoas disseram que ela era tediosa e provinciana. Mas os eleitores não são burros, não querem uma Britney Spears como chefe do governo", disse o diretor de um instituto político, Detmar Doering, a propósito da reeleição dela, em setembro. "Querem uma pessoa séria, em quem possam confiar." Bingo.

Surto de medo – e máscaras

Yuriko Nakao/Reuters

O nome oficial é influenza A (H1N1), mas no popular o que pegou mesmo foi gripe suína. As sucessivas ondas de medo demonstraram que o mundo está sempre esperando o pior. Talvez sob influência das previsões apocalípticas e dos filmes-catástrofe, a ideia de que sobrevirá a mãe de todas as epidemias foi abraçada até com excessiva credulidade. A gripe que fez todo mundo usar máscara hospitalar, ou pensar em fazê-lo (na foto, estudantes japoneses em visita ao Parlamento), foi menos mortífera do que o antecipado. Apesar da propagação global, provocou cerca de 10 000 mortes, das quais cerca de 1 600 no Brasil. Mas assustou tanto pelo potencial letal quanto pela faixa atingida. Quando a gripe comum mata, 80% das vítimas são pessoas acima dos 60 anos, em geral debilitadas por outras doenças. Na suína, a proporção é inversa. A reação mais insensata à pandemia aconteceu no Egito, onde o governo mandou matar todos os porcos. Além da conexão errada entre os animais e a gripe – uma vez disseminado entre humanos, o vírus tem autonomia –, pesou o fator religioso: o islamismo proíbe os porcos por considerá-los impuros. No Egito, eram criados com restos de comida e consumidos pelos coptas, adeptos de uma igreja que remonta aos primórdios do cristianismo. Sem eles, o lixo orgânico aumentou ainda mais, e as cidades egípcias ficaram naquela situação na qual o presidente Lula disse que o povo brasileiro vive. Em suma, uma porcaria.

Eterno enquanto dure

Yuriko Nakao/Reuters


Hugo Chávez começou o ano cumprindo o que havia prometido. Tanto fez, manipulou, distorceu e ameaçou que conseguiu reverter o resultado do plebiscito de 2007. Em fevereiro, ganhou a possibilidade de reeleições até o fim dos tempos. O populismo autoritário e caudilhesco que comanda fincou mais fundo suas raízes malignas. O sistema de ensino está sob novo e perverso estatuto, as poucas vozes independentes que restam sofrem intimidações crescentes, comitês armados defendem a ideologia oficial. Chávez passou o ano ameaçando ir à guerra contra a Colômbia. Fez um acordo de armamentos com a Rússia, mas comandou uma grita contra o uso de bases colombianas por forças americanas para combater os traficantes de cocaína. Entre uma ameaça presente e imediata como o narcotráfico e um futuro e hipotético uso indevido das bases, adivinhem de que lado os seus dúcteis aliados ficaram...

O homem do efeito velcro

Sang Tan/AP

Há políticos que, famosamente, parecem revestidos de teflon: tudo de ruim que se joga neles não gruda. Já Gordon Brown exigiu a criação do conceito de político velcro. O homem atravessou 2009 atraindo tanta encrenca que bateu o impressionante recorde de 74% de desaprovação. A súbita era glacial da economia (encolhimento de 5,9%) já seria suficiente para destruir a reputação de qualquer um, mas o primeiro-ministro britânico caprichou. No seu turno, eclodiu o escândalo das despesas indevidas penduradas por políticos nas contas públicas, um assessor apareceu mandando mensagens com intrigas sexuais sobre desafetos, o aumento de mortes de militares britânicos no Afeganistão foi atribuído a deficiências de material. Em visita de Brown a mutilados de guerra, vários fecharam a cortininha em volta da cama para não ver a cara dele. Em carta à mãe de um jovem soldado morto em combate, ele conseguiu a proeza de errar a grafia de 25 palavras, incluindo o nome do falecido. Quis fazer graça num discurso no Parlamento, mas se atrapalhou e confundiu as atrizes Renée Zellweger e Reese Witherspoon. A empatia despertada pelo jeito desalinhado e pelas tragédias pessoais (é cego de um olho, perdeu uma filhinha prematura) secou completamente. Em 2010, antecipa-se que o efeito velcro produzirá uma derrota de proporções históricas para o Partido Trabalhista.

Planeta bizarro

AP

Bill Clinton desceu na Coreia do Norte e pediu: levem-me a seu líder, e assim encontrou Kim Jong-Il, o chefe dos ETs. Piada, claro. Na verdade, aconteceu o contrário. Foi Kim Jong-Il quem exigiu que Clinton fosse levado a sua presença em troca da libertação de duas repórteres americanas, Euna Lee e Laura Ling. Por ingenuidade ou excesso de confiança, em março elas entraram em território norte-coreano via China, foram presas e viraram troféu. Pelos padrões da Coreia do Norte, foram bem tratadas. Comiam até arroz, um luxo para a esfomeada população comum. Kim Jong-Il manipulou seu trunfo direitinho. Deixou que as jornalistas falassem por telefone com as famílias e "fez saber" que uma visita importante como a do ex-presidente seria o preço a pagar pela liberdade delas. Um preço, aliás, pequeno e sem nenhuma consequência. Fora a foto mostrando um constrangido Clinton e um emagrecido Kim (um derrame em 2008, boatos de câncer de pâncreas neste ano), a Coreia do Norte continuou exatamente onde sempre esteve, isolada por vontade própria e por força de seu condenável programa nuclear. Ameaças ou promessas de ajuda, mão estendida ou punho fechado, nada do que já foi tentado para demover o mais fechado regime do planeta funcionou. E o alienígena continuava no poder.

Caça aos alvos

Finbarr O’Reilly/Reuters

De todas as coisas estranhas que aconteceram no mundo em 2009, poucas se comparam às notícias recorrentes sobre uma prática macabra: a caça a albinos de países africanos com fins mágicos. Nem precisa dizer de que tipo de magia. A Tanzânia é o pior lugar para nascer com essa anomalia genética, na qual a ausência de pigmentos no organismo produz pele e cabelos alvíssimos e olhos desbotados. Números sobre um assunto desses são, é claro, altamente não confiáveis – mas falou-se em sessenta vítimas neste ano. Em setembro, três "caçadores" de albinos receberam pena de morte, por enforcamento. Embora os "filhos da lua" sempre tenham causado estranheza e superstição, a crença no poder de feitiços feitos com partes de seus corpos não tem nada de milenar. Apareceu do nada e se propagou com rapidez pelo interior da Tanzânia e países vizinhos. Membros, orelhas, língua, genitais e cabelos são moídos e incorporados a feitiços para fazer a terra produzir boas colheitas ou as redes pegar mais peixes. Há pelo menos uma história hedionda de mãe que viu a filha de 17 anos ser mutilada por homens armados com facões, que cortaram as pernas da adolescente. Já existe até uma espécie de rede secreta de refúgios para os que não podem viver à luz do sol, em nenhum sentido.

Está frio ou quente?

Bob Strong /Reuters

Quente, definitivamente. Pelo menos em termos de discussão das mudanças climáticas. Em alguns casos, até fervendo: a ideologização do assunto provocou extremismos inúteis a ponto de os absolutistas da influência humana no aumento da temperatura global (ou aquecimentonistas) terem transformado a questão em artigo de fé e os céticos (ou brucutus direitistas que querem incinerar o planeta) usarem qualquer nevasca como prova de que o clima está até mais fresquinho. A ciência climática é complexa: a geleira, como a da foto na Groenlândia, que parece derreter uma hora, em outra retorna ao estado glacial; em vez de subir, em alguns lugares o nível do mar parece baixar; tempestades, secas e até tornados, que de repente se tornaram recorrentes no sul do Brasil, são tão impressionantes quanto desconectados das mudanças globais. Mas no fundo, no fundo, todos sabemos que a devastação ambiental que a espécie humana provoca não ficará sem consequências. E nenhuma solução mágica baixará dos céus no último instante. Só nós podemos nos salvar.