sábado, novembro 14, 2009

A Uniban tenta consertar o estrago

A loira e a massa

Geisy Arruda enfureceu os alunos da Uniban com a sua roupa
e o seu jeito de ser. Há explicações, mas não justificativas


Laura Diniz

Paulo Vitale
HAJA AUTOESTIMA
Geisy com o vestido da discórdia depois de fazer alongamento no cabelo


Ela se sente poderosa, no sentido sexual da expressão, mas ainda não conhecia o poder de incendiar a massa. A estudante Geisy Vila Nova Arruda, de 20 anos, causou tumulto e foi humilhada duas vezes. Na primeira, no dia 22 de outubro, foi cercada, ameaçada, difamada e assediada por centenas de alunos da Universidade Bandeirante (Uniban), onde ela cursa o 1º ano de turismo. Tudo por causa do vestido rosa curtíssimo que usava e de sua atitude provocante. Geisy teve de deixar o prédio da faculdade, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, escoltada pela polícia. Na segunda humilhação pública, duas semanas depois, a cúpula da Uniban comunicou a expulsão da estudante. A justificativa: "Flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade". Seis alunos que participaram da balbúrdia foram apenas suspensos. A decisão foi tomada pessoalmente pelo reitor e dono da Uniban, Heitor Pinto Filho. Em vez de, como se esperava, condenar a intolerância dos alunos, ele endossou seu comportamento violento. A repercussão foi péssima. O Ministério da Educação pediu explicações à Uniban, o diploma da universidade começou a ser rechaçado em entrevistas de emprego, a delegacia da mulher da cidade abriu investigação e houve até um protesto de universitários nus em Brasília. No dia seguinte, diante do horizonte péssimo para seus negócios, o senhor Heitor capitulou e resolveu cancelar a expulsão de Geisy.

Na opinião de muitos pais e alunos, Geisy continua sendo culpada, e não vítima do que aconteceu. Na semana passada, por exemplo, Iolanda Tiglia, mãe de uma estudante, improvisou um palanque no pátio da faculdade e discursou: "A Uniban não pode pagar pelo erro de uma única pessoa. Não foi o reitor quem ficou por aí andando de vestidinho". A Uniban é uma faculdade particular para a classe C, com mensalidades que não passam muito dos 400 reais. A educação não é das melhores. Dos 35 cursos da Uniban avaliados pelo governo federal, dezesseis foram considerados insatisfatórios, treze apenas atingiram o patamar mínimo e seis não receberam nota por problemas de metodologia. Os alunos da instituição são, em geral, a primeira geração de sua família a fazer um curso universitário. Geisy tem o mesmo perfil. "O episódio ressaltou um valor essencial para essa faixa da população: o conservadorismo sexual", diz o cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do livro A Cabeça do Brasileiro. Mas isso não justifica a agressão a Geisy, é claro.

Carlos Silva/D.A Press
LÁ PODE
Alunos da Universidade de Brasília (UnB) tiraram a roupa em apoio a Geisy


Para além do aspecto de classe, a atitude dos manifestantes da Uniban encontra explicação no mecanismo que aglutina e transforma indivíduos independentes em uma massa sem controle. "O próprio indivíduo tem a sensação de que, na massa, ele ultrapassa as fronteiras de sua pessoa", escreveu o pensador búlgaro Elias Canetti (1905-1994), em Massa e Poder, um clássico sobre a psicologia do fascismo. Na multidão, o indivíduo não tem rosto e ganha coragem para projetar suas frustrações e ressentimentos. No episódio envolvendo Geisy, esse dado ganhou expressão no coro que a chamou de "prostituta" e gritou aos policiais que a escoltavam: "Libera para nós".

Qual teria sido a fagulha que incendiou a massa da Uniban? O fato de alguns rapazes terem começado a chamá-la de "gostosa" logo na sua chegada à faculdade? O fato de as amigas de Geisy terem colado no vidro da porta da sala de aula, de brincadeira, o cartaz: "Fotos da Loirão: 10 reais"? Ou estaria a estudante de turismo, que adotou o dourado artificial nos cabelos aos 13 anos de idade, mais ousada do que de costume naquela noite? O dia do tumulto não foi sequer o primeiro em que Geisy usou o microvestido rosa, 12 centímetros acima do joelho e pelo qual pagou 50 reais, com dinheiro emprestado da irmã. Na verdade, praticamente todo o guarda-roupa de Geisy poderia ser classificado de "incompatível com o ambiente da universidade", para citar a expressão usada no comunicado da expulsão que não houve. Ao mostrar o mais curto de seus vestidos à reportagem de VEJA, a estudante ouviu de sua sobrinha de 9 anos: "Esse serve até em mim".

Suas roupas, no entanto, não destoam do figurino de outras moças da Uniban de São Bernardo, onde são comuns os decotes profundos e o pouco pano das saias. Pode ser mesmo que Geisy tenha ido um pouco além do limite que separa a sensualidade da vulgaridade e, desse modo, tenha despertado a selvageria injustificável da turba. Ela não faz nenhuma questão de desestimular as cantadas que recebe, inclusive na rua. "Sou linda e gostosa, sim. Se eu fosse feia, talvez nada disso tivesse acontecido", diz Geisy, 1,71 metro, peso não declarado, pelos das pernas descoloridos e novíssimos apliques no cabelo. Como não poderia deixar de ser nestas latitudes, a moça procura tirar alguma vantagem da condição de celebridade instantânea: já analisa a possibilidade de posar nua e de fazer um comercial para uma marca de lingerie. A massa que aguarde.

Com reportagem de Kalleo Coura e Renata Betti