segunda-feira, novembro 16, 2009

Gaudêncio Torquato O apagão e as oposições

O ESTADO DE S. PAULO (15/11/2009)

"Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso." O apagão da última terça-feira, que deixou às escuras 18 Estados, cerca de 60 milhões de pessoas, e até o Paraguai, pode ser a tocha que tucanos e aliados, os democratas, aguardavam para reacender uma velha fogueira que já aqueceu embates eleitorais e se fez presente no pleito de 2002. Naquela época, Luiz Inácio, usando o apagão de 1999 e o racionamento de energia de 2001 como fuso para enrolar o fio do governo Fernando Henrique, vituperou contra a má qualidade da gestão energética. Atiçou o fogo. O custo do racionamento, de R$ 45,2 bilhões, acabou caindo no bolso dos contribuintes na forma de aumento das tarifas de energia. Agora, a ministra Dilma Rousseff, cuja estrela começou a brilhar a partir do momento em que, no primeiro governo Lula, comandou a área energética, poderá ver questionado o cerne de sua identidade, a capacidade gerencial. O "raio de Bauru" que caiu sobre a imagem do governo FHC ganhou, dessa forma, um correspondente na tempestade que teria desabado sobre o linhão de Itaipu, a alertar que fatalidade não escolhe parceiros e a confirmar que nosso sistema elétrico continua inseguro. Pouco adianta Lula dizer que o problema recente não se deveu à falta de geração de energia, como no passado.

Os episódios de ontem e de hoje denotam que fatores imponderáveis podem ocorrer a qualquer momento, mudando previsões. Antes, porém, de qualquer ilação sobre o futuro, uma observação emerge: as oposições também vivem um apagão. Falta-lhes discurso. Estão sem biruta. Não sabem por onde caminhar. O que pensam sobre os projetos do pré-sal em discussão? Mudarão os projetos do PAC, considerado um dos carros-chefe do governo Lula? O programa Bolsa-Família, que tanta polêmica provocou, será alterado? Que correções serão feitas? Afinal de contas, os eixos da política econômica - câmbio e juros -, responsáveis pelo controle da inflação, serão passíveis de mudança? O governador José Serra, o pré-candidato mais forte das oposições, manifesta-se contrário a essas duas vigas do governo Lula, não chegando a detalhar seu ponto de vista, até para evitar antecipação de polêmica. Se o discurso governista mobiliza as massas há um bom tempo e a mãe do PAC, ministra Dilma, passa a assumir a atitude de candidata, demonstrando espírito de luta, a inferência é inevitável: as oposições, silentes e perdidas, estão na última fila da retaguarda, posição desastrada para começar uma guerra.

O lulismo, é bom anotar, está na dianteira em tudo: ações, discurso, articulação e mobilização das massas. Onipresente, aqui e alhures, Luiz Inácio perambula por palcos sofisticados e canteiros de obras. Aprendeu a arte de jogar o tempo todo com a bola nos pés. Entra em campo, dribla o adversário, sabendo que a falta não será apitada pelo juiz, penetra na grande área, chuta e faz gols. Todos os dias. Com tempo de sobra, treina a jogadora Dilma, cujo domínio de jogo se aperfeiçoa, a ponto de substituir o atacante em jogo decisivo, como este da Copa Copenhague, em dezembro, quando as nações desenvolvidas participarão da discussão sobre o futuro climático da humanidade. A candidata se esforça para dominar todas as matérias, a partir da questão da sustentabilidade, a figurar na agenda eleitoral de 2010, até porque uma das estrelas da constelação será Marina Silva, militante da área. Da parte das oposições, os dois pré-candidatos tucanos - José Serra e Aécio Neves - têm sido débeis na construção de um escopo forte. Temem ser alvos de indignação das massas, diante da expressão que conote desejo de alterar o assistencialismo, ou não dispõem de um programa para o País.

Aécio defende a contenção das despesas públicas, sob pena de diminuir o fluxo de investimentos, ao que o lulismo retruca com o fato de que os governos mundiais aumentam gastos para retomar o nível de emprego e crescimento. De Serra, que até avançou na seara ambiental ao sancionar lei sobre mudanças climáticas, sabe-se pouco sobre um projeto estratégico para o País. Afinal, por onde trilharão as oposições? É inconcebível a falta de ideário. Até o mensalão tem nova versão:
Lula diz que se tratou de tentativa de golpe da oposição. Fernando Henrique tem ajudado a fazer a crítica. Mas os atores mais interessados não o acompanham. E assim o ciclo lulista vai abrindo seu guarda-chuva conservador. O Estado, que passou a ser fim, abriga interesses políticos e materiais. A retórica mudancista, que permeou a história do PT, é amaciada pelo cobertor assistencialista. A linguagem revolucionária está arquivada. A militância torna-se um exército de profissionais. Meios de cooptação, combatidos no passado, dão o tom da sigla. Até correntes refratárias ao conservadorismo passam a frequentar o Olimpo da nova elite.

Em matéria de sindicalismo, o País continua a desfraldar bolorentas bandeiras do peleguismo.
Basta anotar a posição do PT e das centrais sindicais a respeito da contribuição sindical obrigatória, extravagância que outrora combatiam. Quem se lembra de que a PEC 252, de maio de 2000, apresentada pelo deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), propunha o fim desse instrumento? As relações de trabalho estão engessadas. O Estado paquidérmico esbalda-se de tanta gordura. Mas essa imagem negativa é escondida por programas que tapam todos os buracos da pirâmide social. Esse é o dilema das oposições. Se partirem para a desconstrução dos anéis que Lula usa para atrair as classes sociais, darão com os burros n"água. As ações, algumas de caráter populista, são eficientes. O cara é um craque. E, se organizarem uma expressão racional, com foco no aparelhamento do Estado, baterão na cabeça de núcleos muito restritos, que já têm opinião formada. Quanto mais demora na arrumação de um discurso convincente, mais o oposicionismo restringe suas chances.

Sua esperança é de que o apagão do governo Lula - e essa marca poderá causar dano, a depender de seus efeitos - acenda uma luz, livrando-o de seu próprio apagão, a pobreza de ideias.