sábado, outubro 31, 2009

Sociedade Manual da civilidade

Pequeno manual da civilidade

As pequenas vantagens de virtudes grandemente subestimadas,
analisadas por quem entende tudo do assunto, desde sempre


Juliana Linhares

Montagem sobre foto divulgação
NÃO LIBERTE O MONSTRO QUE EXISTE EM VOCÊ
A vida em estado natural: "Solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta"


Engana-se quem pensa que civilidade é uma matéria relacionada a senhores pomposos e mesas cobertas de talheres esquisitos. Mas é verdade que o tema foi tratado por cavalheiros com quilometragem de pelo menos alguns séculos. Tudo o que disseram, porém, sobre a necessidade de convenções sociais para promover a boa convivência e administrar conflitos permanece de urgente contemporaneidade. Quando Schopenhauer, o gigante da filosofia alemã do século XIX, dizia que as pessoas deveriam seguir o comportamento do porco-espinho - se fica muito perto de seus pares, morre espetado; se fica muito longe, morre de frio -, não estava pensando no uso do telefone celular em público, mas bem que poderia. Thomas Hobbes, um dos gênios do pensamento político produzidos pela Inglaterra, constatou no século XVII que em estado natural, sem as construções sociais, "a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta". Em outras palavras, um congestionamento em São Paulo em dia de chuva. Por isso, emergem leis necessárias, entre as quais que "os homens cumpram os pactos que celebrarem" (e não parem em fila dupla, por exemplo) e "não declarem ódio ou desprezo pelo outro por atos, palavras, atitude ou gesto" (e não façam perfis falsos na internet). Especialistas em ética, comportamento e controle dos monstros interiores fazem análises e sugestões nesse pequeno manual das virtudes da civilidade. Todo mundo pode aprender - e até lucrar com elas. "O stress é causado em grande parte por relacionamentos humanos mal resolvidos. Se melhorarmos a capacidade de nos relacionar, teremos menos brigas, menos stress e, consequentemente, menos processos e pessoas doentes", diz o italiano Piero Massimo Forni. Professor da Universidade Johns Hopkins e um dos maiores especialistas mundiais no estudo da civilidade, ele até calculou o custo da falta dela nos Estados Unidos: 30 bilhões de dólares por ano. Já pensaram se ele conhecesse o Congresso brasileiro?

1. Questão de honra

Houve um tempo em que tudo girava em torno dela: ter honra era ser um legítimo membro da tribo; não ter, preferível morrer. O conceito de honra, na sua interpretação mais tradicional, nasceu na Grécia antiga, foi remodelado em Roma e reemergiu na Idade Média. "Na época feudal, a honra era uma qualidade atribuída aos nobres, essencialmente guerreiros, cuja função social era proteger o rei, as crianças e as mulheres", diz Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Unicamp. Hoje, a HONRADEZ pode ser mais relacionada à fidelidade aos próprios princípios ou ao próprio eu. Ou, no popular, ter vergonha na cara. É por isso que o tribunal da própria consciência continua a pesar mesmo quando se alega que "todo mundo faz", a começar dos "caras lá de cima", então "que mal tem" em levar a avozinha para passar na frente na fila de comprar ingresso, desrespeitar a precedência na hora de pegar uma vaga no estacionamento do shopping ou deixar uma toalha guardando lugar o dia inteirinho na espreguiçadeira da piscina disputada? O mal, evidentemente, está em desprezar a própria dignidade.

O fato

Nelson Almeida/AFP


É difícil imaginar exemplo mais completo de desonra que o do piloto NELSON PIQUET JÚNIOR. Ameaçado de demissão da escuderia Renault, ele confessou bem a posteriori ter concordado em fraudar o Grande Prêmio de Fórmula 1 de Singapura no ano passado. A certa altura da corrida, para facilitar a situação de seu companheiro de equipe, Fernando Alonso, Nelsinho recebeu a ordem de bater seu carro contra um muro. Obedeceu. Os privilégios de nascimento - bonito, rico, sobrenome famoso - agravam o tamanho da indignidade cometida contra si mesmo e do mau exemplo dado à sociedade.

A análise

"Ser honrado, hoje em dia, significa ser portador de exemplaridade para uma comunidade. E, para ser exemplo, o sujeito precisa ser probo em todos os aspectos da vida dele. Não basta, por exemplo, ser só bom médico ou bom piloto. É preciso ser bom pai, bom marido, um sujeito respeitoso e incorruptível", diz o cientista político Bolívar Lamounier.

2. Os intransigíveis

O conceito de INTEGRIDADE tem raízes na Grécia antiga, onde o sujeito íntegro era chamadoaplos, uma peça só - projetando com esse nome a imagem de inteireza, de alguém que não tem duas palavras, duas lealdades. "Não é íntegro aquele que transige em valores inegáveis de uma sociedade", diz Bolívar Lamounier. Integridade é não abusar do poder, não desmerecer os outros, não tripudiar. E também outras interdições mais prosaicas: não se esgueirar melifluamente na fila de embarque, não "deixar o carro aqui só um minutinho", não dizer que vai atender "só esta chamada" no meio da refeição compartilhada e não começar nenhuma piada dizendo "esta é politicamente incorreta" caso você não trabalhe no Casseta & Planeta.

O fato

Roberto Monaldo/La Presse/Zuma


Ele já deixou a primeira-ministra alemã Angela Merkel esperando enquanto falava ao celular, já passou cantada numa médica entre ruínas de um terremoto e já fez piadinha racista com Barack Obama (é "bonito e bronzeado", disse). Mas será que o primeiro-ministro italiano SILVIO BERLUSCONI também tem o direito de fazer o que quiser quando está na sua casa - como promover orgias e contratar prostitutas?

A análise

"O conceito de integridade não pode ser aplicado a Berlusconi porque ele não tem essa inteireza. Teria de apresentar um comportamento probo, imaculado, uma vez que deve espelhar o que há de melhor na sociedade. Mas o que prevalece nele é outra faceta, a de quem se movimenta com escracho, sem respeitar a liturgia que o poder exige", diz Bolívar Lamounier.

3. Obrigado, por favor

Um dos maiores especialistas do mundo no estudo da civilidade, Piero Massimo Forni acredita que as BOAS MANEIRAS não apenas não são coisa de um passado mítico de galanteria, mas ficaram mais importantes ainda na vida contemporânea. "Até umas três gerações atrás, boa parte da sustentação emocional e material das pessoas vinha dos familiares. Hoje convivemos muito mais com amigos e desconhecidos, e, nesse caso, ser afável é uma vantagem", explica. "A cortesia melhora a autoestima da pessoa a quem ela foi dirigida e, dessa maneira, torna as relações sociais menos tensas", concorda Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia política da USP. A regra geral, e não escrita, de decência estabelece que todos devem ser tratados com os requisitos básicos de cortesia - "bom dia", "por favor", "obrigado" e "até logo" -, os quais devem ser redobrados em relação a quem ocupa posições menos destacadas. Ignorar a existência de quem presta serviços como trazer o seu carro ou limpar a sua sala é prova de insensibilidade. Ou boçalidade.

O fato

A atriz MEGAN FOX, 23 anos, é infernalmente bonita - e mal-educada. O pessoal técnico que trabalhou com ela em Transformers deu exemplos: ela chega ao estúdio sem cumprimentar ninguém, reclama de tudo, tem ataques de estrelismo e não dirige a palavra aos que considera hierarquicamente inferiores. Mesmo no caso dos superiores, como o diretor Michael Bay, já disse "É um Hitler" - ofensa hedionda, embora o pessoal ache que ela não sabe exatamente quem foi Hitler.

A análise

"A agressão verbal penetra no fundo da alma de quem é atingido por ela. É tão, mas tão grave que tem até punição prevista em lei. Um dos exercícios que proponho para identificarmos se tal ato é uma incivilidade é ver se é possível todo mundo praticá-lo ao mesmo tempo sem que o mundo vire uma barbárie, com todos matando a todos", diz Roberto Romano.

4. Desafio diário

Na hora da raiva, das bravas, qual é o primeiro xingamento que lhe vem à cabeça? Em geral, nesses momentos o ser humano não é criativo e invoca diferenças de comportamento sexual, de origem familiar ou de grupo étnico. Pois o treinamento da aceitação das diferenças deve começar exatamente por aí. De todas as virtudes do campo da civilidade, a TOLERÂNCIA é a que mais exige autoaprendizagem. Quem acha que nunca, jamais conseguirá cumprimentar um torcedor do time adversário pode começar com coisas mais simples, como não ter espasmos visíveis diante do abuso do gerúndio ou prometer a si mesmo ao sair de casa que pelo menos naquele dia não vai comparar nenhuma mulher à fêmea de uma famosa ave natalina. "Tolerância tem a ver com comportamentos diferentes daqueles que valorizamos e pelos quais temos repugnância. Exercê-la é importante não só para a convivência social como para a sanidade mental", diz Bolívar Lamounier.

O fato

Fabio Motta/AE


Não é qualquer um que consegue fazer o país inteiro se solidarizar com um integrante do governo. Mas também não é qualquer um que usa o palavreado do governador de Mato Grosso do Sul,ANDRÉ PUCCINELLI, em relação ao ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc: "Ele é v... e fuma maconha. Se viesse aqui, eu ia correr atrás dele e estuprar em praça pública". Para piorar, veio depois o típico pedido falso de desculpas: "Se alguém se sentiu ofendido...". Desafio aos tolerantes urbanos: não achar que todo produtor rural é um brutamontes destruidor da natureza.

A análise

"O governador foi desmascarado em seus preconceitos mais bestiais. Em um momento em que se luta tanto contra discriminações, sejam elas de gênero, sejam sociais, o governador mostrou que não tem equilíbrio mental nem competência profissional para estar no cargo que ocupa", fulmina o cientista político Gaudêncio Torquato.

5. Bateu, não levou

Levar uma fechada, ouvir uma buzinada milésimos de segundo depois que o sinal abre, esperar que o manobrista pegue o carro largado na sua frente com a maior displicência. O stress e o anonimato propiciados pelo trânsito nas grandes cidades se combinam para testar o tempo todo os limites do AUTOCONTROLE. Para não se transformar num ser desatinado em busca de vingança, só existe uma reação possível: olhar tudo aquilo de um ponto de vista distanciado - ou, se preferir, superior. "Podemos aliviar a raiva tomando distância do que está acontecendo. Alguém me xinga, por exemplo, e eu reajo como se a ofensa fosse um pacote que recebo e devolvo fechado, porque não me considero o destinatário. O ato de grosseria está relacionado com o estado mental do agressor, não com o do agredido", ensina Piero Forni. Quem acha que tem temperamento forte, sangue quente ou pavio curto, e usa essas expressões para justificar comportamentos agressivos, deve considerar a hipótese oposta. "A pessoa que não controla a agressividade no fundo tem ego fraco", explica a psicóloga Lidia Aratangy.

O fato

Jonathan Mannion/Corbis Outline/Latin Stock


Eles estavam numa festa, discutiram. Entraram no carro, gritaram. Pararam, ela pegou a chave e jogou pela janela. Que briga de namorados já não passou por esses estágios? A diferença no caso infeliz do rapper americano CHRIS BROWN, 20 anos, é que ele não teve autocontrole para impedir que a raiva se transformasse em agressão - e arrebentou brutalmente o rosto da cantora Rihanna, 21. E ainda disse no dia seguinte que todo mundo iria saber quem "era ela de verdade". A partir daí, os profissionais de imagem assumiram e ele pediu desculpas duas vezes, sem muita convicção. Foi condenado a cinco anos em regime de liberdade vigiada e 180 dias de trabalho comunitário.

A análise

"A única maneira de uma pessoa de pavio curto adquirir autocontrole é ela tomar a decisão, de maneira íntima e compromissada, de não agir com violência diante de uma situação de stress", diz o cientista político Rubens Figueiredo. Quem já atingiu o limiar da agressão física deve parar - de dirigir, por exemplo, ou de beber - até se reprogramar, com ajuda profissional se necessário.

6. Respeito é bom

O termo CIVILIDADE vem da palavra civitas, que quer dizer cidade. Tem civilidade, portanto, aquele que sabe viver em sociedade, um sistema refinado ao longo dos tempos. No século XVI, por exemplo, o filósofo holandês Erasmo escreveu uma espécie de manual de comportamento. "Ele explicava que não devemos cuspir à mesa nem na mesa, nem beber a sopa direto da sopeira, nem colocar as botas em cima da mesa. Soaria estranho fazer isso hoje, mas houve um tempo em que os nobres precisaram ser educados para melhorar seus modos", diz Renato Janine Ribeiro. Na construção da sociedade ocidental, o mesmo conceito que abrange algo aparentemente acessório, como os bons modos à mesa, inclui o complexo mecanismo do respeito entre as pessoas, base das relações civilizadas. "Hoje, o que entendemos como a ideia central da civilidade é justamente o respeito pelos outros. Os bons modos mostram a nosso próximo que temos estima por ele", diz Ribeiro. Roberto Romano propõe uma pergunta simples para aplicar o conceito de civilidade em diferentes situações da vida cotidiana: o que posso fazer pelo outro para que a vida de todos seja suportável?

O fato

Ed Ferreira/AE


Desprezar o conceito de serviço público, legislar em causa própria, fazer nepotismo cruzado, usar recursos não contabilizados e mentir muito. Todo mundo já percebeu de quem estamos falando. Mas fazer tudo isso e ainda esfregar na nossa cara? Em maio passado, o deputado SÉRGIO MORAES (PTB-RS) se irritou com jornalistas que cobravam dele posição mais rigorosa sobre o caso do colega do castelo de 25 milhões de reais nunca declarados e tripudiou: "Eu estou me lixando para a opinião pública. Até porque a opinião pública não acredita no que vocês escrevem. Vocês batem, batem, e nós nos reelegemos mesmo assim". A ofensa em escala nacional não abalou o senhor Moraes. "A mídia distorceu a minha fala. O que eu quis dizer é que eu não ia mentir, como a mídia queria", insiste. E reincide: "Não fui deselegante com ninguém, não me arrependo e tenho muito orgulho do que eu disse".

A análise

"O deputado desrespeitou quem votou nele, desrespeitou seu cargo, desrespeitou quem escutou aquela declaração. O perigo mais evidente nesse tipo de situação é o comportamento mimético. As pessoas pensam: se o deputado rouba, por que eu não posso roubar? Se ele fala essas coisas, por que eu tenho de me esforçar para ser educado?", diz Gaudêncio Torquato.

7. Fora, trapaceiros

Todo mundo quer se dar bem, mas, se fizer qualquer coisa para conseguir isso, o mundo todo vai acabar mal. Não é preciso nem voltar ao estado natural, ou hobbesiano, da guerra de todos contra todos para entender a necessidade de um conjunto de regras comumente aceitas e, dentre elas, a importância da HONESTIDADE. Seja pagar pelo gabarito da prova do Enem, seja levar comissão em obras públicas, quem faz trapaça está roubando um pouco de cada um, não só em termos materiais, mas principalmente pela infração ao pacto social através do qual contemos nossos instintos mais selvagens em troca das garantias da civilização. "Na sociedade ocidental cristã, a figura do trapaceiro é uma das mais odiadas. A trapaça fere várias convenções sociais, entre elas a obediência às regras e a honradez", diz Roberto Romano.

O fato

Timothy A. Clary/AFP


Mesmo no universo dos grandes ladrões, a tungada deBERNARD MADOFF, 71 anos, estabeleceu novos parâmetros de desonestidade. Madoff conseguiu tirar dinheiro de gente que entendia tudo do assunto, mas também limpou viúvas, instituições de caridade, parentes e amigos. A pirâmide financeira que presidiu sugou 65 bilhões de dólares de quase 5 000 enganados. Faltando poucos dias para ser preso, quando todo o esquema já havia ruído, ele ainda conseguiu arrancar 250 milhões de dólares do homem a quem dizia ter como pai, o venerando empresário Carl Shapiro, de 95 anos, dando um novo sentido à expressão roubar velhinhos.

A análise

"O efeito de uma desonestidade cometida por uma figura conhecida, bem-sucedida e querida pode virar um problema enorme. Nem todas as pessoas vão ver a desonestidade que não deu certo como um ato necessariamente ruim, passível de restrição moral. A interpretação de muitos é que o erro pode não ter sido o ato, mas o fato de aquele sujeito conhecido, bem-sucedido e admirado não ter conseguido se safar", diz o sociólogo Demétrio Magnoli.

8. Dobre a língua

A cultura da permissividade tem enormes vantagens - a começar, naturalmente, pelo abrandamento dos costumes repressivos. A contrapartida também é evidente: a ideia disseminada de que cada um pode, e até deve, fazer e falar o que quiser, mesmo que isso invada o espaço alheio, incluindo os ouvidos. Não dizer o que dá na bola é diferente de contar mentiras. No primeiro caso, quem usa da CONTENÇÃO VERBAL está obedecendo ao mecanismo de freios sociais pelo qual as opiniões próprias são atenuadas de forma a não ofender os sentimentos alheios. No segundo, a verdade é falsificada para tirar algum proveito, nem que seja promover a própria e engrandecida imagem. Quem acha que tem de "pôr para fora" tudo o que pensa e até invoca o pensamento mágico ("Assim não vou ter infarto") na verdade não está no comando de si mesmo. "Viver em sociedade implica abrir mão de certas selvagerias para obter a proteção social que vem da vida em conjunto", diz Roberto Romano. "Nesse contexto, a má-educação, a ganância desmedida, a negligência ao outro, são todos fatores de desagregação social."

O fato

Adriano Vizoni/Folha Imagem


Quando MARTA SUPLICY era ministra do Turismo e disparou o infame "relaxa e goza" para os infelizes vitimados pelas longas esperas nos aeroportos, obedeceu a imperativos próprios: ter papas na língua era o equivalente a viver uma vida de insuportável repressão, como pregava uma tendência psicanalítica dos anos 70. Resultado: passou imagem de arrogância pela classe a que pertence, prepotência pelo posto que ocupava e, incrivelmente para uma pessoa com seu histórico, machismo virulento pela comparação.

A análise

"Na política, alguém que fala o que quer e, principalmente, com um nível de agressividade alto está querendo dizer que é dono da verdade absoluta", analisa Demétrio Magnoli. "Na esfera privada, quem fala o que quer e não se preocupa com o que o outro pensa e sente, além de ser profundamente incivilizado, não permite que uma divergência seja resolvida. O diálogo é cortado antes que produza frutos."

9. Sinto muito, mesmo

Pressa, pressão, prazos - tudo na vida contemporânea conspira para que o tratamento civilizado seja atropelado mais cedo ou mais tarde. Para isso existe um remédio universal: PEDIR DESCULPAS. O arrependimento sincero, aquele cuja intenção seja menos aliviar a consciência do ofensor e mais dar uma satisfação moral a quem foi ofendido, é um lenitivo de eficácia comprovada através dos tempos. Só os seres altamente evoluídos se desculpam com classe e naturalidade, mas os demais - ou seja, todos nós - também podem desfrutar o sentimento de paz interior que essa atitude desencadeia. É só treinar direitinho. Quanto ao momento e ao método corretos para pedir desculpas, gente com os mecanismos psíquicos em estado de bom funcionamento tem um "vergonhômetro" infalível. "É aquele sangue que sobe ao rosto quando fazemos algo errado, e que sinaliza o respeito pelo outro", diz Roberto Romano. "Sem isso, o pedido de desculpas não vale."O fato

O fato

Kevin Lamarque/Reuters


A moral sexual é, evidentemente, assunto de foro íntimo, mas trair a mulher e tentar faturar em cima disso vira um caso flagrante de ofensa social. Ainda por cima fingindo falso arrependimento, como fez o apresentador americano DAVID LETTERMAN, 62 anos, ao contar piadinhas para confessar que teve casos com funcionárias e que estava divulgando o fato porque alguém que sabia da prática ameaçou chantageá-lo. Só uma semana depois ele se lembrou de pedir desculpas, esfarrapadíssimas, à mulher. A audiência foi às alturas.

A análise

"Ao fazer humor com o ocorrido, ele quis banalizar seu erro e, assim, ser perdoado", diz Rubens Figueiredo. "O pedido de desculpas deve mostrar que você está ciente de que o que fez foi errado, e que magoou a outra pessoa. Buscar justificativas tortuosas para o ato demonstra negligência em relação aos sentimentos do outro", completa Piero Forni.

10. A casa comum

O comportamento decoroso surgiu na Igreja Católica, a partir da vestimenta dos padres e das freiras, sempre igual em qualquer ambiente e feita para cobrir tudo de forma a não atentar contra o pudor próprio ou alheio. "Com o tempo, o DECORO das vestimentas passou para a linguagem e as atitudes. A fala decorosa é aquela que diz o que tem de dizer sem adular ou ferir. O comportamento decoroso é aquele que não ofende os outros, que não agride, que não é exibicionista ou apelativo", explica Roberto Romano. Pequenos atentados cotidianos ao decoro incluem urrar ao celular em ambientes confinados, ignorar solenemente aquilo que seu cãozinho faz na calçada e ouvir música nas alturas porque "a casa é minha". Ter decoro é entender que a casa é um pouco de todos.

O fato

Divulgação/TV Globo


Lady Kate, personagem da atriz KATIUSCIA CANORO no programa Zorra Total, é exibida, decotada e exagerada, adora gastar o dinheiro de um certo senador que convenientemente nunca aparece e, diante de qualquer obstáculo que surge, repete o bordão: "Tô pagando". Na personagem, é engraçado; na vida real, é execrável.

A análise

"Uma vez conscientes de que a vida é uma experiência baseada nas relações, temos de ter em mente que os desejos das outras pessoas são tão válidos quantos os nossos. Isso significa que, ao perseguir nossos objetivos, precisamos ter certeza de que estamos sendo justos com os outros. O decoro nos ajuda a ajustar essa medida", diz Piero Forni.