terça-feira, outubro 27, 2009

Só o Brasil tem armas para crescer mais este ano Alberto Tamer

O Estado de S. Paulo - 25/10/2009

O Banco Central manteve a taxa básica de juros em 8,75%. Está satisfeito com a inflação que, para ele, é "benigna". Há ainda ociosidade na indústria, mesmo porque ela exporta 25% do que produz e não vem exportando muito. Apesar do aumento da demanda interna, os níveis de inflação há alguns meses permanecem estáveis, até com tímidos sinais de recuo, graças aos preços agrícolas. Há excesso de oferta que atende plenamente um consumo crescente. Tudo indica que esse cenário "benigno" não deverá se alterar nos próximos meses. Haverá um aumento do consumo nas festas de fim de ano, mas será absorvido em parte pelos estoques e pelo período de baixa compra nas férias de janeiro e fevereiro.

NÃO "HABEMUS" INFLAÇÃO


Portanto, a nuvenzinha branca saiu pelo telhado do BC em Brasília: não temos ainda o Papa, (juro) mas não "habemus" inflação... Mesmo assim, cauteloso, não reduziu novamente a Selic. A economia continua aquecida e, apesar do IOF de 2%, os recursos externos continuam entrando. A bolsa, aquela que teoricamente seria atingida, acumula em outubro o maior afluxo desde 1947, nada menos que US$ 87 bilhões. Foi antes do imposto, sim, nos dois primeiros dias os investidores externos tiraram US$ 1,6 bilhão, mas o dinheiro está voltando quase que no mesmo ritmo em que saiu. Só neste ano o estoque líquido de investimento externo na bolsa é de US$ 21,7 bilhões.

ONDE IRIAM GANHAR TANTO?

Crise? Ora, que crise? O Natal chegou antes. Por quê? Ora, ora, onde eles iriam ter valorização de 140% em dólares em apenas 10 meses? Onde ganhar tanto, tão rapidamente, em tão pouco tempo e de forma tão fácil? Além disso, parece que o governo deixou brechas para que esses investimentos entrem sem pagar o imposto, que o mercado logo, logo descobriu, lógico.

O JURO ALTO QUE É BAIXO

Tem mais. Os juros no Brasil estão muito acima da maioria dos países, o que torna atraente investir no mercado financeiro, com imposto ou sem imposto, seja qual for o câmbio. Vamos fazer algumas comparações. O juro básico no País é de 8,75% ao ano. Nos EUA, está em 0,18%; na Eurozona, 0,74%. A exceção é a Espanha, com 10,6%. A Austrália aumentou para 3,8%. Na China, 0,39%. Estamos ainda acima da Rússia, em crise, 8%. Ah! Só por curiosidade intelectual, perdemos para a Argentina: 13,3%.

A "VANTAGEM" DO JURO ALTO

Essa diferença entre as taxas de juros representa a grande "vantagem" a nosso favor. Registro entre aspas porque não é vantagem vangloriar-se de praticar juros altos, mas é uma vantagem (sem aspas) porque podemos ainda reduzi-lo, estimular a economia sem afastar investimentos.

Outra "heresia" da coluna: o juro de mais de 20% já fez o mal que poderia ter feito no passado, conter o crescimento, e o bem de impedir a volta da inflação. E hoje, temos uma ampla margem manobra. O Brasil pode ainda contar com esse precioso instrumento da política monetária. Os outros, não. Terão de se ater à política fiscal para crescer com a inevitável explosão do endividamento e do déficit e todas as suas consequências das quais estamos livres. É verdade que o imposto de 2% de fato reduz o rendimento do juro. O investidor ganha menos. Mas esse "menos" ainda é muito.

Sei que as taxas medidas nas aplicações financeiras no mercado internacional são mais elevadas, mas o diferencial continua. Ainda será um bom negocio por algum tempo. Em outras palavras, o real, a moeda que mais se valoriza no mundo, virou uma commodity valiosa. É bom negócio investir nele, apesar de tudo que o governo tem feito para conter sua alta.

E O JURO VAI BAIXAR?

Sim, mas só se a economia parar de crescer no ritmo atual que aponta para mais de 5%, o que pressionaria a demanda e os preços. É difícil prever se isso ocorrerá ainda neste ano ou no próximo. Vai depender da política de incentivos fiscais. Essa é a avaliação do diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, Nicolás Eyzaguirre, em entrevista ao Estado. Os 2% do IOF em aplicações em bolsa "não vão adiantar quase nada se o governo mantiver estímulos fiscais e taxas de juros altas".

Saída? Para o FMI, substituir a política fiscal pela monetária. Estimular mais a demanda via redução de juros. Mais consumo com menos juros e menos incentivo fiscal. O Brasil é o único país que hoje pode fazer isso.

BOLSA SABOREOU O IOF

Quanto aos 2%, é preciso algo mais do que o IOF para conter a invasão dos investimentos. A bolsa está rindo deles e os seus investidores saborearam os 2% na sobremesa e esperam mais. Há limites, porém. Vai ser preciso cortar muito os juros para tornar o real menos atraente. A média mundial não passa de 0,75%. O desafio é se o juro básico cair muito, só uma hipótese, para 6%, o consumo aumenta, a economia cresce mais de 5% e a inflação também...

Eis a questão.

Mas, de novo, não é nada que possa tirar nosso sono neste domingo ou mudar os planos para o Natal.