quinta-feira, outubro 22, 2009

Miriam Leitão Batalha do Rio

O GLOBO,


Rio é diferente do país porque aqui há arma pesada, há grupos rivais. Mas seria injusto dizer que o Rio está sob o controle do tráfico”, me disse o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame.

“Temos feito progressos e até o final do ano serão dez áreas com a polícia pacificadora.” Ele faz críticas à burocracia para a compra de equipamentos e ao regime de progressão de pena

Conversei ontem de manhã com o secretário sobre a crise de segurança do Rio e ele deu várias explicações que mostram a complexidade do assunto.

— Se o Rio quiser comprar um colete balístico leve para a proteção dos policiais, não pode, porque o Ministério da Defesa estabelece limites para produtos que têm similar nacional. Se quiser comprar fuzis para as tropas especiais, tem que ser o da Imbel, e após o Exército dar autorização.

O produzido no Brasil é pesado, e os traficantes estão comprando por telefone produtos leves de outros países. Se precisarmos de um carro blindado para deslocamento das tropas, o Exército entende que não pode, porque a partir de um nível de blindagem é só para situações de guerra. Estamos aguardando dois helicópteros desde o começo do ano.

Estamos em desigualdade de condições — disse ele.

Beltrame sabe que a luta no Rio exige o cuidado de proteger a população inocente: — Não é simples, nós temos que saber como trabalhar.

Não podemos simplesmente entrar, do contrário morre muita gente inocente.

Temos que agir com responsabilidade, inteligência e estratégia.

Mas os policiais precisam estar protegidos.

Ele elogia alguns programas federais, como o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) que está qualificando policiais no Brasil todo, inclusive no Rio, mas acha que falta entender no que o Rio é diferente de outros estados: — Aqui, há três grupos de bandidos rivais lutando por partes do território e a milícia; as armas são mais pesadas.

A maior parte da cidade está normal, a maioria das comunidades não está sob o controle do tráfico, mas há áreas onde as forças de segurança podem até ir, mas não podem ficar. Isso tem que mudar.

Conversei também com um general do Exército. Ele admite que a burocracia da compra de armas pela polícia pode ser simplificada, mas alerta que é preciso haver restrições para evitar que armas exclusivas das Forças Armadas sejam roubadas como aconteceu em São Paulo no centro de treinamento da Polícia Civil.

Acha que o problema do Rio não é de armas: — Nós doamos vários fuzis 762, belgas, para várias policias do país. Produzimos no Brasil equipamentos bons e temos que fortalecer a indústria nacional. A ideia de combater de helicóptero uma área superpovoada com gente inocente é loucura. Helicóptero só pode ser blindado na parte inferior, do contrário fica pesado demais.

Mas concordo que a burocracia precisa diminuir, que a atribuição de combater o tráfico de drogas é da Polícia Federal, basta ler a Constituição. Eu, sinceramente, não invejo o secretário de segurança do Rio.

Ele não deve dormir.

Beltrame trabalha muito, de fato, e tem conseguido avanços. Mas os erros na segurança do Rio são velhos, em vários pontos há controvérsias insanáveis. O ponto central do pensamento de Beltrame é indiscutível: o que não pode haver é o controle de nenhum pedaço do território por bandidos: — Nestas áreas, 99% das pessoas são boas, bons cidadãos.

Nós temos que tirar o controle da mão dos bandidos e começar nosso trabalho novo, como está sendo feito nas UPPs. Até o final do ano, teremos mais cinco áreas ocupadas. Não posso dizer quais. O total que pretendemos é de 43. Foram escolhidas por uma série de critérios, depois de estudos e análise estratégica. Pacificar é parte do trabalho, mas não é o único. Temos que reprimir, lutar contra os criminosos. O ciclo da criminalidade tem que ser quebrado no Rio.

Os policiais que têm ido trabalhar nas UPPs são novos, sem os vícios que se encontram numa parte da polícia, e que saem da academia preparados para a nova realidade da convivência cooperativa com os moradores.

Até o fim do ano serão mais 300, e até o mês de abril do ano que vem, mais 1.300.

Beltrame disse que de cada dez pessoas que prendem, oito são reincidentes. Isso seria, segundo ele, mais uma prova de que é preciso rediscutir a questão da progressão da pena em casos de tráfico de drogas e armas.

O general, com quem conversei, fez a mesma reclamação que Beltrame em relação à desigualdade de condições na luta contra o crime na fronteira: — Em termos de dissuasão e controle territorial, não temos problema. Mas para reprimir o ilícito transfronteiriço, nossa mobilidade é pequena.

Nossas voadeiras são de 60 HP, as dos traficantes têm 250 HP. Não alcançamos.

A luta é desigual. Nossos pelotões são clareiras na selva distantes às vezes mil quilômetros um do outro. Nossa fronteira terrestre tem 15 mil quilômetros. Os Estados Unidos e o México têm 3.100 quilômetros de fronteira e não controlam tudo.

Uma lição que o Exército aprendeu no Haiti, segundo o general, foi que não adianta entrar numa favela dominada pelos bandidos e sair. Isso demonstra força dos bandidos.

É preciso ir e ficar como nas UPPs do Rio.