José A. Guilhon Albuquerque |
Valor Econômico - 02/10/2009 |
Em todas as crises recentes em que o governo Lula se envolveu na América do Sul, ele o fez movido pela obsessão pela liderança O incidente em que o governo brasileiro se envolveu em Tegucigalpa pode ser loucura, mas tem método. Em todas as crises recentes em que o governo Lula se envolveu na América do Sul, ele o fez movido por uma obsessão pela liderança. Com isso, os objetivos essenciais da intervenção em uma crise externa - conter, circunscrever e, se possível, reverter a crise - tornam-se secundários, e se inviabilizam. Concorreu para tanto a concepção de liderança como um exercício de hegemonia. Com isso, a busca da liderança pela liderança dificulta a resolução da crise, e o modelo hegemônico de liderança desqualifica o Brasil como mediador e diminui a possibilidade de um jogo em que todos ganhem. No episódio da invasão do território equatoriano por forças colombianas, para eliminar um santuário das FARCs, o interesse do Brasil deveria ser o de restabelecer a estabilidade na região. O primeiro objetivo seria o de conter o conflito e impedir que ele se desdobrasse em novas operações militares. O segundo seria o de circunscrever o conflito, impedindo que se alastrasse para outros países. E o terceiro seria o de reverter a crise, fazendo com que as relações entre as partes voltassem à normalidade. Evitar iniciativas improvisadas não implica omitir-se. O Papa não tem poder de intervenção, mas não se omite, ele lamenta. O ideal, para qualquer estado que não tenha interesse vital em agravar e prolongar a crise, seria lamentar sem tomar partido ou, no máximo, alertar contra o uso da força. Como o governo brasileiro sempre fez por ocasião das intervenções militares dos EUA que não interessava apoiar, nem convinha condenar: lamentou. O que fez o governo Lula e sua diplomacia? Precipitou-se, condenando o governo colombiano, desqualificando-se como mediador. Os pronunciamentos do chanceler foram agressivos, contribuindo para uma radicalização de posições. Não fez nenhum gesto para evitar que o conflito se alastrasse com o envolvimento de Evo Morales e Hugo Chávez, nem muito menos condenou ou sequer lamentou as ameaças de ambos de escalar o conflito. O governo constitucional colombiano não constitui, em si mesmo, uma ameaça para os interesses nacionais. Existem, entretanto, ameaças decorrentes da existência de conflito armado e do narcotráfico naquele país. Portanto, o governo brasileiro deveria, no seu próprio interesse, contribuir para conter essas ameaças, inclusive provenientes de conflitos fronteiriços com países, como o Equador e a Venezuela, que apoiam direta ou indiretamente a narcoguerrilha, e não para isolá-lo na região. No episódio das bases americanas na Colômbia, repetiu-se o cenário. O governo brasileiro condenou a Colômbia e o acordo militar com os Estados Unidos antes de se inteirar da situação, desqualificando-se novamente como mediador. Os pronunciamentos do chanceler Celso Amorim foram agressivos. O presidente da Álvaro Uribe foi tratado com ironia e desacreditado por Celso Amorim e pelo presidente Lula, radicalizando em vez de conter o conflito. Numa atitude inversa ao que se espera numa intervenção dessa natureza, buscou alastrar o conflito em vez de circunscrevê-lo, levando a crise para o âmbito do Conselho de Defesa da Unasul, um fórum criado por iniciativa brasileira, supostamente para instilar confiança e cooperação entre as forças armadas do subcontinente. As duas primeiras reuniões do Conselho foram integralmente dedicados a condenar e a isolar a Colômbia. Buscando a liderança por ela mesma e não como instrumento de resolução de crise, e mirando-se num modelo de liderança hegemônica num jogo de soma zero, Lula e sua diplomacia acirraram em vez de conter os conflitos em que se envolveram, alastraram-nos em vez de circunscrevê-los, e acabaram por prolongá-los senão os perpetuaram. E o fizeram macaqueando a pior forma de "liderança" que tornou o governo Bush um ícone da incompetência global. Ou, se quisermos um modelo do qual não temos saudades, podemos evocar Teddy Roosevelt e a política do Big Stick. A diferença é que seu lema era "Fale manso e ande com um porrete", e tanto Celso Amorim quanto Lula parecem gostar de falar grosso. O episódio da volta do presidente impedido de Honduras, Manuel Zelaya, a Tegucigalpa, homiziando-se na sede da missão brasileira, traz nova luz à "power politics" da era Lula. O cenário é o mesmo: a condenação foi intempestiva, o tom tem sido agressivo e foram tomadas medidas radicais, de rompimento de relações diplomáticas e consulares. Lula e sua diplomacia têm exercido pressão continuada sobre a OEA, o governo Obama e a própria ONU, levando a um alastramento da crise, quando seria de nosso interesse circunscrevê-la à OEA. Tampouco buscou conter os governos da Venezuela, da Argentina e da Nicarágua, em aventuras sucessivas de Zelaya A certeza de que sua volta comportaria alto risco de confrontação armada, uma tragédia para o povo hondurenho, em nada inspirou, na diplomacia de Lula, a cautela e o horror da improvisação que foram, desde sempre, a marca registrada do Itamaraty. Assim sendo, mesmo dando ao chanceler um crédito que ele não tem feito por merecer, o pouco que é público e notório sobre o envolvimento do coronel golpista Hugo Chávez no santuário outorgado a Zelaya, sugere uma hipótese que se aplica igualmente aos episódios anteriores. A única explicação para a obsessão da liderança, e para o radicalismo com que tem sido exercida por Lula, é o fator Chávez. Cada vez que o caudilho bolivariano provoca ou acirra uma crise, Lula não suporta ficar atrás e, dada a concepção de liderança que ele compartilha com essa diplomacia feita à sua imagem e semelhança, procura avançar mais rápido, mais longe e com mais radicalismo do que seu invejado alter-ego andino. Foi Chávez quem pôs Zelaya na embaixada brasileira? Pois é Lula quem tem dado seu beneplácito para que Zelaya faça de nossa embaixada uma paródia de Sierra Maestra. José Augusto Guilhon Albuquerque, é professor titular aposentado de Relações Internacionais do departamento de Economia da FEA-USP, é autor de "A Política Externa do governo Lula: 2001-3002". |