quinta-feira, outubro 01, 2009

CARLOS ALBERTO SARDENBERG A China do 'Capital'

O GLOBO



As estátuas de Mao Zedong estavam brilhando como novas.

Mais de 400 meteorologistas, com satélites, aviões e sistemas laser de bombardeio de nuvens estavam a postos para impedir que chuvas atrapalhassem as comemorações em Beijing. A data, este 1ode outubro, justifica a festança: a República Popular da China completa hoje 60 anos, apresentandose como a terceira economia do mundo, atrás de EUA e Japão.

Considerando-se que 60 anos atrás era um país em frangalhos, extremamente pobre, trata-se de uma realização extraordinária. O único problema, que não parece incomodar os chineses, é que não se trata mais de uma economia comunista.

Neste mesmo mês de outubro, sai a nova edição da Lista Hurun, a relação dos chineses mais ricos. Começou a ser publicada em 1999, incluindo as pessoas que tivessem fortuna de pelo menos US$ 100 milhões. Na lista deste ano, só entra quem tem mais de US$ 150 milhões.

O primeiro colocado é Wang Chuanfu, de apenas 43 anos, dono de uma fábrica de carros elétricos e baterias, com um patrimônio de US$ 5,1 bilhões.

Um dos seus sócios é ninguém menos que Warren Buffet, que comprou 10% da fábrica. O segundo lugar ficou com uma mulher, Zhang Yin, cuja empresa produz embalagens de papel reciclado com aparas importadas dos EUA. Sua fortuna: US$ 4,9 bilhões.

Os dois saíram do nada, casos clássicos de empreendedores que fundaram suas empresas com pouco dinheiro e muita iniciativa para aproveitar um ambiente de negócios favorável.

Mais surpreendente ainda, Chuanfu e Yin são “verdes”, têm negócios enquadrados na categoria dos “sustentáveis”.

Representam, assim, a nova China, que de uns poucos anos para cá incorporou as questões ambientais em seus objetivos de crescimento.

Tudo isso considerado, seria mais adequado separar os aniversários. Este primeiro de outubro marca os 60 anos de independência política e de reunificação do país. Mas a comemoração da China potência econômica no capitalismo global ocorreu no ano passado. Foram os 30 anos da nova política econômica, introduzida em 1978 por Deng Xiaoping, ao assumir o comando do Partido Comunista e do país, depois de derrotar os herdeiros de Mao.

A China estava então devastada pela Revolução Cultural, mais uma das loucuras de Mao para estabelecer o verdadeiro socialismo. Destruiu todos os setores da economia, a agricultura coletivizada quase parou, milhões morreram de fome. A sociedade foi desorganizada, milhões de chineses assassinados pelos guardas vermelhos.

A situação era tão dramática que Deng levou o Partido a tomar medidas radicais. Por exemplo: quem conseguisse montar um negócio privado, qualquer um que gerasse alguma atividade e empregos, que fosse em frente. No campo, abandonou-se a propriedade coletiva e permitiu-se que famílias cultivassem terras como se fossem suas e, sobretudo, que vendessem a produção no mercado livre.

O resultado foi uma explosão de iniciativas individuais, levando ao desenvolvimento de uma economia privada, orientada para o mercado, ao lado do amplo aparato de empresas e bancos estatais. Hoje, o setor privado responde por mais da metade da produção.

De 1978 ao início dos anos 2000, o PIB chinês quadruplicou. E continuou crescendo a mais de 10% ao ano.

É a China dos bilionários, da principal potência emergente. Claro, tem um monte de problemas. Começa que a renda per capita ainda é muito baixa, apenas US$ 6 mil, pelo sistema de paridade de poder de compra, que ajusta os preços para as realidades locais.

Mas é também a história do país que mais tirou pessoas da pobreza, mais rapidamente.

Hoje, apenas 8% da população está abaixo da linha de pobreza.

Mas é também um país quase sem rede de proteção social — saúde, educação, aposentadoria, é quase tudo pago pelas famílias, que se obrigam assim a fazer poupanças de até 50% de suas rendas. Os salários ainda são baixos. E se trata de uma ditadura rigorosa como poucas.

Muitos acham que logo a China começará a mudar de uma economia exportadora para outra mais focada no bem-estar local. Democracia? Ninguém sabe como a política pode mudar.

Mas é muito possível que, dentro de mais alguns anos, o Partido Comunista Chinês seja o responsável pela criação da maior potência capitalista.